sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Bendita torrada

Era uma manhã rotineira na vida de José Mário. Matemático, professor de faculdade e ateu convicto até o apocalipse, comia religiosamente 2 torradas com manteiga e geléia de morango. (Deus me livre se não houvesse geléia de morango!) Era uma equação simples. Duas passadas de faca na manteiga sem sal e uma colherzinha de geléia aplicada com uma força X, suficiente para espalhar a geléia, mas não o suficiente para quebrar a torrada. José Mário necessitava segurar a torrada com uma força Y= -X, para balancear as forças evitando que a torrada caia no chão. Caso Y>-X, inevitavelmente a torrada cairá com sua face geleística voltada para baixo, exatamente como ocorreu nessa manhã aparentemente rotineira.

A regra universal que dita a sujeira no mundo desde a gênese diz que se um objeto cai e fica por menos de 5 segundo no chão, o objeto ainda estaria limpo e pronto para o consumo. José Mário, como exímio conhecedor de regras universais e há muito morando sozinho, recupera a torrada do chão e qual sua grande surpresa? Estava lá. Claramente. Milagrosamente nítida. A cara de Jesus Cristo estampada em sua bendita torrada.

O que um ateu faz quando se depara com um milagre?

A primeira reação de um ateu é a contestação. Como São Tomé, primeiramente desconfia. Não, nada a ver. É coisa da sua imaginação. É como olhar as nuvens e encontrar formas. Mas olhando melhor, a imagem era divinamente clara. Havia até um certo brilho santo ao redor da imagem. Fez-se a luz nas camadas de manteiga. Qual era a chance disso acontecer? Calcula as probabilidades. Menos de 1 bilhão para um de tal evento acontecer com tanta precisão. É, os números estavam contra ele. Justo os números que tanto confiava. Tenta repetir o experimento. 2 pacotes de torradas de imagens disformes. O máximo que conseguiu foi em uma torrada que se olhada de um ângulo específico, até poderia se assemelhar, vagamente, a um coelhinho caolho sem orelhas. Resolveu parar, pois não poderia faltar a geléia de amanhã, e Deus me livre se não há geléia de morango!

Segunda reação de um ateu, a dúvida. E se fosse realmente um sinal divino? Todos esses anos comendo carne vermelha na sexta-feira santa? As vezes que cobiçou a mulher do próximo, as que via revistas de mulher pelada escondido no banheiro ou quando roubou figurinhas jogando bafo… Tudo isso seria uma passagem segura para o inferno? Seria um alerta para que ele começasse a frequentar a igreja?

Terceira reação de um ateu, a revolta. José não se daria por vencido. Ele não jogaria a batina assim tão fácil. Não seria uma torrada a romper toda a sua (des)crença. Quer briga? Então olha o que eu faço com sua torrada! José aproxima a torrada à boca, lentamente abre sua bocarra e prepara uma grande mordida entre a coroa de espinho e a sobrancelha esquerda de Jesus.

Quarta reação de um ateu, a redenção. Espera! Talvez seja melhor não comer a torrada. Afinal ela caiu no chão. Talvez tenha passado mais dos 5 segundos. Pode haver micróbios. Pode causar dor de barriga. Imagina se dá um piriri. E com piriri não se brinca! Pior que as pragas do Egito! Lavo minhas mãos. Melhor pegar outra torrada.

Resolveu deixar a torrada milagrosa de lado. Mas a cara de Jesus continuava encarando-o. A pulga atrás da orelha ainda coçava. Há de haver uma explicação mais razoável que uma entidade toda poderosa sem ter mais o que fazer além de pregar peças em matemáticos ateus. Existe algum fator que passou despercebido. Algo que dê a luz sobre esse mistério. Olhe atentamente, analise friamente…

Eureca!

Como não havia visto isso antes! Era óbvio! A vida volta a fazer sentido. A figura na torrada não é o Jesus Cristo! É o Humberto Gessinger! Claro, por que acreditar em um Ser Supremo invisível, inatingível? O Humberto Gessinger era real, estava ali, ao alcance de todos! É lógico! O Papa é Pop! Quem mais sofreu tantas perseguições e foi crucificado pela crítica? Quem mais ressucitou o Engenheiros do Havaí quando ninguém mais esperava?

Satisfeito, José Mário guardou a torrada junto com os antigos álbuns do Engenheiros e saiu cantarolando. Esse Humberto Gessinger é foda! A Infinitaaaa Hiiiiighwayyyyy…

3 comentários:

Anônimo disse...

Que bom escritor tu és. Tem a cá um mais novo fã. hehe
Que a professora de redação não leia este comentário.
Mas bom mesmo seus textos. Li dois apenas, por hora, mas é de estupefar o matuto. hehe
abraço fi

Fabi disse...

Hahahahaha
De onde saem essas idéias????
Pois é pra um ateu é mais fácil acreditar que viu Humberto Gessinger na torrada do que Jesus.
Mas uma vez um ótimo texto, que prende o leitor do inicio ao fim.
beijocas

Anônimo disse...

Excelente texto! Você é um ótimo cronista e contista. O enredo nos motiva a ler até o último ponto. Esse me fez lembrar os anos 80: Engenheiros, Legião, e um tanto de coisas boas que deixamos para trás. Parabéns pelas ótimas histórias!
Vanessa Lima.