sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Ah é?

- É. Tem gente que não tem simancol mesmo?
- Quem amor?
- O pessoal lá do trabalho.
- Mas o que aconteceu?
- Sabe o Leivinha?
- Leivinha?
- É, o Leivinha.
- Que Leivinha amor?
- O Leivinha, aquele que no churrasco do Ramos dormiu com mão na pança, embaixo do sol.
- Ah! Sei, sei.
- Então, ele foi transferido há pouco tempo para o meu departamento. Graças a ele, não poderemos viajar no fim do ano.
- Mas como assim? Não acredito! Você diz no Natal e Ano Novo?
- Exato.
- Você está louco que eu não vou pra praia. Tô até fazendo dieta pra vestir o biquininho.
- Pois pode voltar a comer seu meio-kilo de bolinho de chuva diário. O lugar mais longe que iremos nesse final de ano é Diadema.
- Não acredito nisso. Isso é um ultraje, uma afronta, um obséquio. Vou matar esse Leivinha, acabar com a raça dele, fazer ele pegar leptospirose. Mas o que ele fez mesmo?
- Então, o Pit Bull, nosso chefe de departamento, veio nos perguntar se conseguiríamos terminar todos os relatórios relativos a esse ano antes do Natal, pra ver se daria para emendarmos os feriados.
- Entendi.
- Ele me perguntou e prontamente respondi que tinha certeza que ficariam.
- E ficariam?
- Não tenho idéia. Mas provável que não.
- Imaginei.
- Mas isso não importa, o negócio é que logo depois de responder, passei a bola pro Leivinha, se ele confirmasse o que eu disse, no dia 23 estaríamos queimando o chão.
- Queimando o chão?
- É amor, indo embora.
- Eu sei o que significa, só não sabia que alguém ainda falava isso.
- Bem, que seja. Pra ajudar a besta do Leivinha, quando perguntei pra ele sobre a os relatórios, já preparei o terreno. Perguntei daquele jeito que pela entonação você já saca a resposta. Sabe?
- Não.
- Daquele em que já se sabe o que se quer dizer sem precisar continuar.
- Bem, que seja, como foi?
- Falei pra ele “eu acho que dá pra terminar Leivinha, será?”
- E?
- E ele falou que não tinha certeza, que seria difícil.
- E daí?
- E daí que o Pit Bull já encerrou o assunto. Sem emenda.
- Mas você mesmo me disse que provavelmente não daria. Que culpa tem o Leivinha?
- Tem culpa em não ter entendido minha mensagem.
- Que era?
- Ele teria que ter respondido “é lógico”.
- Mas como ele ia saber?
- É óbvio. Se eu pergunto “Será?” a resposta automática é “É lógico”.
- Como assim óbvio? Nunca soube disso.
- Como não? Vivo falando essas coisas.
- Nunca ouvi.
- Você que não presta atenção.
- Me dê algum exemplo então.
- Fácil, é só lembrar da nossa briga do réveillon do ano passado.
- Nem me fala do ano passado.
- Não vou entrar no mérito da discussão, mas lembra como começou?
- Lembro.
- E como foi?
- Eu falei pra você que minha mãe ia ficar sozinha lá na casa de Caçapava no ano novo e você respondeu com aquele seu jeitinho “Ah é?”.
- Exato. Esse jeitinho. Porquê você ficou brava com um simples “Ah é?”
- Porquê te conheço seu vigarista. Estava querendo dizer “Ah é? Fooooooda-se!”
- Então.
- Então o que? Achava que eu não ia ficar brava? É minha mãe.
- Não! Tô falando sobre o jeito de falar. Você percebeu o meu tom sem eu falar, o Leivinha não.
- Ah!Agora entendi.
- Por isso nós vamos ter que ficar pra passagem do ano da Paulista mesmo.
- Vamos nada!
- Como assim?
- Você acha que depois do que passei no réveillon passado vou ficar mofando aqui em São Paulo? Aqui ó! Vou pra praia me esticar o dia inteiro lá no Gonzaga pra voltar preta.
- Mas amor, eu acabei de te falar que o escritório não vai emendar.
- Emenda por conta própria, não quero nem saber.
- Não posso, o último cara que fez isso com o Pit, perdeu o emprego. Encontrei o sujeito uns dois meses atrás, quase bati na carroça de papelão dele. Se eu emendar vou ter o mesmo futuro.
- Ah é?

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Calma, eu posso explicar tudo!!!

Algumas situações são perfeitas pra se pensar na vida e ter idéias. Ao contrário do que muita gente pensa, “fazer nada” não ajuda muito. Nesta condição, rapidamente você se distrai e começa a pensar em coisa que não interessa ou o que é bem pior, se pega cutucando uma cutícula, contando quantas azulejos tem a parede da cozinha, enfim, logo você perde o foco.

Para mim, o ideal é buscar ações simples e absolutamente mecânicas que anestesiem o lado “Ei! Fala comigo!” do cérebro. Dirigir, lavar a louça, caminhar ou tomar banho, são alguns exemplos disso. É num desses momentos que normalmente temos os “estalos” que podem ajudar muito na resolução de grandes dilemas ou, como na passagem que vou contar a seguir, podem te colocar em situações absolutamente surreais.

Sempre que preciso “pensar na vida” eu pego meu carro e saio pra dirigir pela madrugada. Se for dia de semana, melhor. Pouquíssimos carros na rua, sem hora pra se chegar em lugar nenhum.

Lembro de certa vez há muitos anos atrás que fiz isso, estava circulando pelo meu bairro, bem devagar, olhando pra Lua, em segunda marcha, sem acelerar, deixando apenas a marcha-lenta do carro levá-lo, mais ou menos na velocidade que ficam os carros de segurança privada.

Tive então meu primeiro “estalo genial”! Abri a porta fiquei olhando o asfalto passando devagarzinho. A gente não percebe que apesar de estarmos parados dentro do carro, estamos andando. Meio idiota isso, mas divertido. Seinfeld disse uma vez : “O mais legal de um carro é que quando estamos nele, estamos parados, mas estamos andando … e estamos pra fora, mas estamos dentro de um lugar. 4 coisas de uma só vez!”

Muito bem, eram três e meia da madrugada, eu cruzando um quarteirão a 20 Km/h, com a porta aberta, olhando o chão, vendo as faixas brancas aparecerem e sumirem vagarosamente. Aí vem o “segundo estalo” – “Bom … se eu sair do carro agora, ele continua andando e eu posso correr atrás dele e entrar de novo …” – a razão tenta aparecer – “Não … não … que bobagem!” -, só tenta – “Bobagem nada! Ia ser bem engraçado…”

Já passei da idade de respeitar muito a razão em prol de uma experiência antropológica desse tipo. Rapidamente, antes que eu mudasse de idéia, tirei o cinto de segurança, abri mais a porta, me assegurei que mesmo que ela batesse, poderia ser aberta por fora, olhei pra frente e pelo espelho conferindo pela última vez que o carro estava bem no meio da rua e que nenhum outro carro andava por perto, e então pulei.

Ao tocar meu pé no asfalto comprovei de maneira concreta a frase dita pelo comediante americano. De um estado absolutamente inerte, tive que dar uma corridinha meio desequilibrada pra não cair de cara no chão.

Quando me “estabeleci” fora do carro, continuei caminhando e olhei pra frente. Lá ia meu bom e velho companheiro de quatro rodas pela rua, devagarzinho, em seu primeiro “vôo-solo”. Ouvi o barulho do atrito do pneu com o chão se misturando ao som do motor e do rádio. Não costumamos ouvir isso de dentro do carro.

Comecei a rir, corri, segurei a porta, olhei para o interior do carro. Pensei em qual pé colocaria pra dentro primeiro, mas achei melhor não pré-definir nada porque quando pensamos muito neste tipo de ação, caímos. No meio dessas resoluções todas, pulei pra dentro.

Perfeito! Tudo perfeito! Fechei a porta, segurei o volante e tive então um ataque de riso – “Genial! GENIAL!” – eu dizia enquanto ria.

Me animei (aí que mora o perigo), pensei novamente “ E se eu corresse pra ver o carro de frente?” ri muito, novamente – “E mais! Se fizesse isso cruzando uma rua!!” mais gargalhadas!

No quarteirão seguinte, não me agüentei. Repeti o procedimento de saída, bati a porta do carro por fora e saí correndo como um louco, no meio da rua, em frente ao carro, rindo.

Cheguei na esquina, vi que não vinha carros de nenhum dos lados, corri mais um pouco e sentei no meio-fio, iniciando outro ataque de riso, olhando o meu carro, sozinho, com seus faróis acesos, quase em câmera lenta, firme e decidido atravessar a rua, mesmo que sem seu motorista.

Quando ele chegou ao meio do cruzamento, parei de rir um pouco e fiquei me divertindo com aquela cena absolutamente non-sense. Me distraí, o carro passou por mim e quando levantei para começar a andar atrás dele, ouvi -“Piiiiiiuuuuuuuuuu”.

- Ah, não! – pensei.

Um carro de policia surgiu do nada, entrando na rua que meu carro estava, e deu um sinal para o teórico motorista do Celta Preto parar o carro.

Eu fiquei momentaneamente congelado. Meu carro seguia confiante, sem dar a mínima pra polícia. Já estavam no meio da quadra. “Piiiiiuuuuuuuu” – mais uma sirene. E dessa vez eles ligaram um holofote pra tentar ver o condutor.

Sem pensar, saí correndo. Por sorte, meu carro estava bem regulado e alinhado. Rapidamente alcancei a caravana, passei pelos policiais que me olharam um pouco ressabiados. Não resisti, balancei a cabeça e acenei com a mão:

- Boa noite! – sem respostas deles.

Continuei correndo. Pensei em passar pelo carro e entrar numa rua qualquer e desistir do resgate, mas lembrei da cena do Forrest Gump, quando ele pula de um de seus barcos para cumprimentar seu velho amigo, Tenente Dan. Pra quem não viu o filme, o barco se espatifa num cais. Não queria um final próximo para meu querido carrinho mesmo sabendo que não havia um cais por perto.

Abri então a porta do carro, o holofote da polícia veio diretamente para o meu rosto, olhei para a viatura, acenei um “oi” tímido e atrapalhado e me joguei para dentro carro.

Obviamente, os policiais aceleraram e ligaram a sirene. Eu coloquei meu cinto, dei seta e encostei.

Fiquei esperando dentro do veículo, nervoso, mas tentando me conter .

Os dois guardas vieram em minha direção empunhando seus revólveres. Liguei a luz de cortesia pra mostrar que eu não estava fazendo nenhum movimento suspeito. Quando o policial se aproximou, não resisti e novamente disse :

- Boa noite, senhor.

Não sem razão, ele estranhou mais ainda minha aparente calma e tentou responder:

- É … Boa noite … – rapidamente ele recuperou a compostura e disse alto – Mão na cabeça e pode ir saindo do carro.
- Ok. Posso desligá-lo ?
- Heim?
- Senhor, eu sei que parece esquisito, mas meu carro está com um problema no câmbio e não posso desengatá-lo, se eu soltar meu pé da embreagem, ele anda.

O guarda ficou me olhando com aquela cara de “ele acha que eu sou idiota, mas vou ver até onde isso vai”:
- Ok.

Desliguei o carro, e lentamente saí.
- Documentos e pode virar de costas com as mãos no teto do carro.

Até pensei em começar a explicar o inexplicável, mas apenas fiz o que ele me mandou. Rapidamente ele pegou minha carteira e fez um sinal para que seu parceiro me revistasse. Viram que eu não apresentava nenhum objeto suspeito e me pediram então para ficar de frente pra eles.

Eu, sem a menor idéia do que esperar, virei e abaixei a cabeça.

Vi que o nome do policial que analisava meus documentos era “Ten. Saraiva”, mais clichê impossível. Eles já não empunhavam suas armas mais. Bom sinal. Ele devolveu meus documentos e apenas disse :

- Tá bêbado, Cidadão?
- Nem um pouco, senhor.

Ele sinalizou positivamente com a cabeça. Depois de um breve silêncio. Perguntou :
- E essa baboseira do problema do câmbio. Mentira, né?
- Sim senhor.
- Sei …

Algo no olhar do tal “Saraiva” me passava tranqüilidade. Não sei porquê, achei melhor não mentir mais.
- E existe alguma explicação decente pro que aconteceu ali ? – disse ele apontando para a esquina.

Posso dizer que vi o filme da minha vida passando na minha frente. Pensei em milhões de desculpas, mas respirei fundo, então e respondi:
- Não …

Ele me olhava como se quisesse ainda saber algo. Respirei fundo de novo e comecei a falar, lentamente:
- A única coisa que posso dizer ao senhor … é : sabe aqueles momentos da vida em que você é sua pior companhia?

Ele fez cara de “explique melhor”. Eu obedeci.
- Aqueles momentos em que a gente tem certeza que não deveria fazer algo, mas mesmo sem um bom motivo vai lá e faz?

Ele me observou, olhou para seu parceiro, voltou seus olhos para mim, levantou sua mão esquerda e com o dedão apertou a aliança :
- Tá vendo esse anel?
- Sim senhor.
- Eu já fiz isso aí 2 vezes. – pausa – E ontem, descobri da pior forma possível, que pela 3ª vez, lá tava eu fazendo algo que sempre soube que não devia.
- Bom … pelo menos, no início o senhor parecia ter um bom motivo, não?
- Mas 3 vezes?! Será que um homem não é burro o suficiente pra errar por 2 vezes? O cara vai lá e erra a 3ª!
- É … complicado.
- Complicado não, amigo. O nome disso é burrice!
- Não, em momento algum eu qui-
- Eu tou falando de mim, pode ficar tranqüilo! Aliás … faz o seguinte, pega seu carro, liga ele, vai embora e só me promete que nunca mais você vai fazer uma estupidez dessas!
- Prometo, sim senhor.
- E quer saber, pega essa aliança!
- Heim?!
- É! Já que eu sou uma mula, pelo menos vou deixar isso com você, como um lembrete pra ver se finalmente alguém aprende a largar a mão de ser estúpido!
- Mas senhor ?

Neste momento o segundo guarda, até então mudo, tentou falar. Agora eu podia vê-lo melhor, era bem mais jovem. O Tenente o fuzilou com seu olhar, mas ainda sim o jovem prosseguiu:
- Ele saiu do próprio veic-
- Que que você tá falando, ô menino? – interrompeu o mais velho.
- Não … nada, senhor! Mas é que o que esse rapaz fez é um absur-
- Estupidez! Ele fez uma estupidez grande, não foi? – olhando pra mim.

Eu confirmei acenando com a cabeça. Ele continuou :
- O que você quer que eu coloque na ficha dele. O meliante está sendo detido porque é um estúpido!? É isso?
- Não, nã-
- Porque se for por isso, você vai ter que me algemar junto. E se ele é réu primário, eu já sou reincidente, e pelo grau da minha estupidez, eles vão ser obrigados aprovar a pena de morte só pra mim!!

Sem combinar, eu e o jovem guarda falamos juntos :
- Calma, senhor …
- Calma o cacete! É isso. Pronto! Eu sou um grande estúpido, você é outro estúpido, e meu parceiro que quer fazer tudo como manda a cartilha da escola militar acabou de provar que a estupidez não passa longe dele também!

Silêncio. Depois de alguns segundos ele estendeu a mão com a sua aliança.
- Pega!
Eu permaneci imóvel. Ele gritou:
- Eu tou mandando! Ou você prefere ir pra DP contar sua historinha pro delegado, que não está enfrentando nenhum tipo de problema pessoal?
- É … não, não. Ok, eu pego.
- Muito bem. E você! – disse para o outro – Esquece tudo que viu aqui! Eu sei que te colocaram comigo pra você aprender os procedimentos corretos da ronda noturna, mas definitivamente eu não tou numa fase boa pra isso. OKÁ?!
- S-s-sim, senhor. – respondeu, mais assustado do que eu, o jovem guarda.
- Entendidos então!

Eu segurava a aliança numa mão, os documentos na outra, atônito. Eles voltaram para a viatura, ligaram o carro, e ao passar ao meu lado, o ainda enfurecido Ten. Almeida gritou :
- Vai pra casa, Alemão! Hoje você deu sorte!

Eu fui, meio bobo e com a certeza de que tinha passado por um dos momentos mais absurdos e improváveis de toda minha vida.

Chegando lá, até pensei em tomar um banho pra esfriar cabeça. Mas, corri pra cozinha e comecei a contar os azulejos. Bem mais seguro! Vai que eu tenho outro “estalo” no banho …

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Pessoas magras mentem

Esse é um tempo de magros. Dias atrás, reencontrei um amigo que não via há anos e ele estava com sua esposa que está grávida! O João vai ser pai. O que significa que serei "tio". Cumprimentei- o, dei-lhe um forte abraço e bati em suas costas taptap, e de repente lhe disse:

— Pô, tu estás mais magro.

O rosto do João resplandeceu como se ele tivesse uma lanterna pendurada no queixo. Sorriu seu melhor sorriso, um sorriso de 28 dentes. Baixou os olhos para a barriga e a apalpou.

— Acha mesmo? — perguntou-me, incrédulo.

Eu:

— Acho, ué.

O João inflou o peito:

— Muito obrigado!

Obrigado, agora vê. Digo para um sujeito que ele está magro e ele me agradece. Ou seja: magreza é elogio. Quer agradar alguém? Diga:

— Você é uma pessoa magra.

Quer conquistar uma mulher?

— Para mim, você é a pessoa mais magra desse mundo. Nunca existiu uma pessoa tão magra como você, na minha vida.

Quer lhe dar votos de bom Ano-Novo?

— Desejo muita magreza para você em 2014.

Não era assim, antes. Minha avó vivia comentando:

— Encontrei o Tibúrcio, ontem. Está gooordo, boniiito. — Desse jeito, com três ós e três is. Eu podia imaginar o Tibúrcio, redondinho, vermelho e sorridente, a prosperidade de calça de tergal e suspensórios.

Só que tem o seguinte: os magros mentem. Não todos os magros, verdade, mas os ex-gordos. Você se encontra com um amigo que era gordo, e se surpreende — o cara está que é só o couro e o osso. Só o buraco e catinga, de tão magro. Espanto:

— Nooossa, que regimão, ahn? O que você deixou de comer?

Aí, sabe o que ele diz? Que come de tudo! Jura que não deixou de comer nem carnes, nem doces, nem massas, nem mesmo torresmo. Daqueles bem crocantes acompanhando uma cerva estupidamente gelada.

— É que tenho feito muito exercício — se exibe o ex-gordo.

CONVERSA! O ex-gordo está sofrendo, está passando a alface e chicória e água mineral. Sem gás. Pobre ex-gordo, tudo o que ele queria era um medalhão de picanha gorda, uma panela de feijoada, uma barra de chocolate, um bombom com licor, um quindão, que ex-gordo adora doce.

Por que, então, ele mente? Deixa que respondo: por vergonha. O ex-gordo tem vergonha do preço que paga para satisfazer a própria vaidade. A vaidade só é explícita quando é barata.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Ombro

Depois de muito ponderar, Atílio decidiu:

Vou lamber esse ombro.

Considerou que era uma decisão madura, refletida e, por que não dizer?, sensata. Havia meses que desejava lambê-lo. Ao ombro. E também ao restante de sua proprietária, claro. Agora ambos, ombro e proprietária, estavam centímetros à sua frente. Atílio, a dona do ombro e todos os outros funcionários do escritório tinham sido reunidos pelo chefe, que fazia um comunicado qualquer. O chefe falava no meio da sala, os funcionários ouviam de pé.

Quer dizer: ouviam é força de expressão. Atílio não ouvia nada. Sua atenção, sua alma, seus sentidos tinham sido monopolizados pelo ombro dourado e nu que se oferecia a meio palmo de seu queixo. Atílio analisou-o acuradamente. Seguiu com o olhar a curva suave que descia rumo ao braço. Despencou quase até o cotovelo. Subiu de volta. Deslizou pela depressão formada pela omoplata. Escalou o pescoço delgado e elegante. Retornou outra vez para o centro do ombro adorado. Inalou seu perfume. Oooh. Ela era divina.

Atílio apoiou o peso do corpo em um só pé. Diminuiu ainda mais a distância entre ele e o ombro. Tão lindo, macio e brilhante, tão apetitoso… Atílio sentia-se emocionado. Tamanha perfeição não podia ficar relegada. Um ombro assim perfeito fora criado para dar prazer. Sim, devia lambê-lo. Sim! É o que iria fazer.

Mas, pensando bem, lambê-lo seria a melhor opção? Por que não morder de uma vez? Lógico! Com uma boa mordida, o mordedor capta sensações através não apenas dos dentes, mas também da língua e dos lábios. Serviço completo. Morder, esta é a solução. Morder! NHAM!

Atílio chegou a abrir a boca, chegou a sentir a textura da carne tenra nos molares. Até lembrar de um único senão: uma mordida talvez fosse agressiva demais.

É.

A dona do ombro pode se assustar, gritar, passar para o desforço físico, o que provavelmente não seria bem compreendido pelo pessoal do escritório. Seria um escândalo. Os colegas o chamariam de tarado, o chefe ficaria furioso, ela o acusaria de assédio sexual, e sua mulher, que agora estava na praia com seu filho Cuquinha, descobriria tudo em menos de 12 horas e se separaria dele. Sua vida acabaria ali, com uma simples mordiscada. Não, melhor descartar a mordida. Atílio congratulou a si mesmo pelo seu bom senso. Como uma ideia de tal forma espaventosa pôde germinar em seu cérebro sempre sensato? Só podia ser o verão. O verão fazia isso com ele. O maldito verão com suas minissaias, suas miniblusas, seus ombros expostos.

Aiaiai.

Quem sabe um beijo? Iiiisso, um beijo doce e cândido. Um beijo é um carinho. Impossível recriminar um beijo. Já estava vendo a dona do ombro a suspirar. Ela exclamaria assim:

– Ó!

Atílio aprontou o biquinho. Curvou a nuca. Ia beijar. Mas cogitou: peraí, um beijo em uma superfície lisa como um ombro é tão-somente um roçar de lábios no tecido. Pouco prazer para tanto risco. Além disso, será que um beijo é de fato totalmente seguro? Afinal, há que se computar o fator surpresa. Poucas mulheres estão acostumadas a receber beijos no ombro durante reuniões de trabalho. O inusitado da ação talvez a assuste. Então, que seja uma lambida mesmo, um saudável intermediário que não será agressivo como uma mordida, nem insosso como um beijinho.

Lamber! Schlep!

Atílio sorriu, antegozando o prazer. Começou a salivar. Tirou a linguona para fora. Respirou fundo. E…

…e ela se virou. Virou-se de frente para ele, para seu imenso espanto. Sorria. Parecia feliz. Aproximou-se dele. Cada vez mais, cada vez mais. E… o beijou! Beijou-o nas faces. Uma, duas, três vezes. Sorria, ainda. Falou, enfim:

– Parabéns, Atílio!

Hein? Parabéns? Ele arregalou os olhos. Estava pasmado. Olhou no entorno. Todos sorriam, observando-o. O chefe sorria também.

– Uma bela promoção – a frase saiu do rosto sorridente de um dos colegas.

Promoção? Que promoção? O chefe! O motivo da reunião! Ele, Atílio, tinha sido promovido! Todos o cumprimentavam. Parabéns, parabéns. Atílio sentiu-se despertando. Sorria, agora. Agradeceu a todos. Agradeceu ao chefe. Voltou a olhar para ela. Que continuava sorrindo. Um sorriso diferente de todos os que lhe oferecera até então. Um sorriso em que dançava uma luz maliciosa, uma luz que, Atílio queria crer, era de promessas.

– Parabéns – repetia ela, sem parar. – Parabéns.

Devia ser mesmo uma belíssima promoção.

– Que é isso… – dizia ele, satisfeito.

Sorriu para ela, para a luz em seus olhos. Deixou seu olhar passear mais uma vez por aquele ombro dourado e nu. E agradeceu a Deus por ser verão.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

A bunda do Alceu

Uma manhã, o Alceu descia no elevador quando viu, pelo espelho da parede, que o vizinho do sétimo estava olhando para a sua bunda. Não havia dúvida, ele estava olhando mesmo. Era um olhar guloso, de quem queria aquela bunda. A bunda dele!

O vizinho não tinha como saber que Alceu o flagrara, o espelho ficava pendurado em cima da porta, num ângulo em que permitia a observação de quem se posicionava no lugar do Alceu e em nenhum outro ponto do elevador. Durante a lenta viagem até o térreo, portanto, Alceu pôde constatar como o outro admirava a sua bunda, uma admiração intensa, concentrada, quase apaixonada.

Alceu sentiu-se constrangido. Corou. Pensou em virar-se de frente para o outro e encará-lo, mas aí ele perceberia que tinha sido visto, e Alceu não queria que isso acontecesse. Afinal, já havia outras pessoas no elevador, inclusive a loira do quinto. Se ele se voltasse para encarar o vizinho do sétimo seria muito… homossexual… Não, Alceu não podia protestar. Mas sentia-se invadido por aquele olhar, sentia-se, sabe-se lá, violado.

O outro não parava de olhar. Olhava com vontade. Alceu pensou na própria bunda. Seria uma bunda feminina? Empinada? Até então, Alceu achava sua bunda normal. Uma bunda como todas as outras. Só que aquele olhar não era um olhar que se dedica a uma bunda normal. Teria Alceu engordado e sua bunda crescido? Estaria ele com um bundão? O que poderia significar isso? Será que outros homens cobiçavam sua bunda? E as mulheres?

Alceu estava perturbado. O elevador enfim chegou ao térreo, as pessoas começaram a se movimentar para sair. O vizinho do sétimo continuava olhando para sua bunda. Não parava de olhar. E, quando Alceu se moveu, o homem… suspirou. Ele suspirou de desejo pela bunda dele! Aquilo, a princípio, enfureceu Alceu. Por pouco ele não girou nos calcanhares, desferiu-lhe um tapa na cara e gritou:

_ Tarado!

Por pouco. Mas, depois, Alceu se conformou. Pensou: então minha bunda é bonita? Nunca havia pensado que uma parte do seu corpo podia ser desejada por outras pessoas. Uma bunda bonita, quem diria? Foi a vez de Alceu suspirar. Com o suspiro entre os dentes, saiu do elevador. E se foi pelo saguão do edifício. Rebolando.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Instinto Selvagem

Há certas coisas que um homem tem de fazer. Não digo obrigações, e sim necessidades. Compulsões. Como a de externar verbalmente sua admiração pela plasticidade das formas de um corpo feminino. Ou, em outras palavras, chamar uma gostosa de gostosa. Nunca fiz isso. Juro por Deus Nosso Senhor. Mas ontem mesmo vi uma moça passando na rua dentro de sua minúscula minissaia e um homem que vinha em sentido contrário, dentro de seu carro. Ela tinha pernas longas e com elas pisava airosamente no mundo. Ele, ao vê-la, trocou a marcha, reduziu a velocidade, abriu o vidro, pôs a cabeça para fora, arriscando-se a bater, e ganiu, entre dentes:

– Gossssstooooosaaaah…

O que ele ganhou com aquilo? Nada. Que utilidade prática teve o ato? Nenhuma. Mas ele teve de fazer. Teve!

A moça, ela não se abalou, não se sentiu ofendida, acho até que gostou, já que se empinou mais e pareceu ter ficado ainda mais garbosa e quase sorriu. O homem, ele seguiu seu caminho e dava a impressão de que estava aliviado, que o peso da existência ficara mais leve sobre suas costas.

Quer dizer: faz bem, isso!

Mas não é civilizado, claro que não. Não se deve sair por aí uivando
gosssstooosaaaah com agá no fim para todas as gostosas que se vir. Então, como o homem redirecionará essa angústia? Como o homem tirará de seu peito todo o sentimento represado? Simples: gritando num campo de futebol. Para isso servem as torcidas. Para descarregar a selvageria ancestral que existe em nós, homens. Porque nós jamais perderemos nossos
laivos animalescos, ao contrário das mulheres, as inventoras da Civilização. Logo, um cara que se descabela numa arquibancada não deveria sair pela rua a latir para as belas mulheres de minissaias sumárias. Mas eles latem. E brigam. E enlouquecem. Algo está errado nisso tudo.

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Em Homenagem ao Dia do Orgasmo

Essa estou postando em homenagem a Millor Fernandes, um grande escritor, ator, desenhista, e muitas outras qualidades, que infelizmente já nos deixou. Que Deus o tenha.

Orgasmo feminino é coisa da qual as mulheres entendem muito pouco e os homens, muito menos. Pelo fato de ser uma reação endócrina que se dá sem expelir nada, não apresenta nenhuma prova evidente de que aconteceu ou se foi simulado.

Orgasmo masculino não! É aquela coisa que todo mundo vê. Deixa o maior flagrante por onde passa. Diante desse mistério, as investigações continuam e muitas pesquisas são feitas e centenas de livros escritos para esclarecer este gostoso e excitante assunto.

Acompanho de perto, aliás, juntinho, este latejante tema. Vi, outro dia, no programa do Jô Soares, uma sexóloga sergipana dando uma entrevista sobre orgasmo feminino. A mulher, que mais parecia a gerente comercial da Walita, falava do corpo como quem apresenta o desempenho de uma nova cafeteira doméstica.

Apresentou uma pesquisa que foi feita nos Estados Unidos para medir a descarga elétrica emitida pela "Periquita" na hora do orgasmo, e chegou à incrível conclusão de que, na hora "H", a "perseguida" dispara uma descarga de 250.000 microvolts. Ou seja, cinco "pererecas" juntas ligadas na hora do "aimeudeus!" seriam suficientes para acender uma lâmpada. Uma dúzia, então, é capaz de dar partida num Fusca com a bateria arriada.

Uma amiga me contou que está treinando para carregar a bateria do telefone celular. Disse que gozou e, tchan, carregou. É preciso ter cuidado porque isso não é mais "xibiu", é torradeira elétrica! E se der um curto circuito na hora de "virar o zoinho", além de vesgo, a gente sai com mal de Parkinson e com a lingüiça torrada.

Pensei: camisinha agora é pouco, tem de mandar encapar na Pirelli ou enrolar com fita isolante. E na hora "H", não tire o tênis nem pise no chão molhado... Pode ser pior!

É recomendável, meu amigo, na hora que você for molhar o seu "biscoito" lá na canequinha de sua namorada, perguntar:

-É 110 ou 220 volts? Se não, meu xará, depois do que essa moça falou lá no Jô, pode dar
"ovo frito no café da manhã."

Esse país não melhora por absoluta falta de criatividade... São as mulheres, a solução contra o apagão.

domingo, 12 de maio de 2013

A Picanha e o Cupim

Tenho pena do cara do cupim. O garçom, digo. Porque você entra num espeto corrido, senta-se e é sempre igual: todos procuram o cara do salsichão e do coraçãozinho. Um sucesso, o salsichão & coraçãozinho. Mas o garçom responsável sabe que seu momento de celebridade é fugaz como uma paixão de Carnaval. Passados os primeiros minutos, ninguém mais chama o cara do salsichão e do coraçãozinho, e ele só fica de longe, observando em silêncio ressentido o triunfo dos homens que carregam a costelinha, o lombinho, a cebola empanada.

Sim, a glória do salsichão & coraçãozinho é breve. Mas ao menos ele é recebido com algum entusiasmo. Nada que se compare, claro, à festa que espera o cara da picanha. As pessoas passam certo tempo mastigando alcatras e fazendo piadas sobre o vazio, mas o que aguardam de fato é a picanha. É por causa da picanha que estão ali.

Quando o cara da picanha chega, as conversas cessam, os olhares se voltam para ele, todos o solicitam: eu quero!, eu aceito!, mais um pedaço bem fininho! O cara da picanha é eternamente requisitado e seu retorno só deixa de ser reivindicado quando se fica cheio as tampas. Suponho que ganhe mais, o cara da picanha. Ele não é qualquer um. A gente logo percebe pela forma altiva com que se locomove entre as mesas, pelo olhar superior que envia para a vulgar costela.

Agora, quem é realmente desprezado pelo garçom da picanha é o cara do cupim. E não só pelo da picanha: ninguém lhe dá atenção. Ele pára numa mesa. Vai perguntando: cupim?, cupim? Ninguém quer. Nunca. Uns nem se dão o trabalho de responder. Nem olham para ele. Não estou entre esses insensíveis. Sempre observo o cara do cupim. Sei que é um magoado, um humilde rechaçado, triste e perenemente esperançoso com seu cupim intacto.

O cara do cupim deve se sentir como um professor do ensino público. Com uma diferença: o professor, por atender a toda a comunidade, devia ser o mais valorizado. O professor é quem devia ganhar mais e ter as melhores condições de trabalho. Mas não no Brasil. No Brasil, um professor ganha R$ 1 mil e se dê por satisfeito. No Brasil, economiza-se em infra-estrutura e se permite o caos de serviços como o do INSS, SUS e a nossa falida rede de ensino público. No Brasil, o professor da rede pública de ensino é tratado como um fornecedor de cupim, enquanto, na verdade, ele é o da picanha.

Só que é o seguinte: mesmo que o professor fosse o do cupim, mesmo assim não mereceria tal tratamento. Porque o cara do cupim também tem um coração! Eu, inclusive, confesso: não gosto muito de cupim. Prefiro picanha. Mas sempre peço cupim nos espetos-corridos, em desagravo ao cara do cupim. E, se o cara do cupim está por perto quando o da picanha chega, simplesmente recuso a picanha, por mais sumarenta que aparente. Brado:

— Não, obrigado. Prefiro cupim!

Então, noto com júbilo a decepção no rosto orgulhoso do garçom da picanha e o lume agradecido no olhar do tão sofrido cara do cupim.

domingo, 28 de abril de 2013

Falando no Chuveiro

A maioria das pessoas canta no chuveiro. Pelo menos é o que elas dizem. Eu não, já que as paredes têm ouvido, prefiro poupá-las. Mas sou humano, e se tem um momento em que posso descarregar todas minhas aflições e agonias, é no banho. Só que faço isso de uma forma diferente: eu represento.

Como cronista amador que se preze, eu sempre tento olhar o cotidiano de uma forma inusitada. Isso já me colocou em situações ridículas, como quando deitei no chão do banheiro, debaixo da pia, para entender como é a visão de uma barata se escondendo.

Essa busca incessante por uma análise “descolada” do meu dia-a-dia tem seu ápice no meu banho. Onde faço meu show particular de “Stand-Up Comedy” (aqueles shows onde um humorista fica no palco, sozinho falando um monte de besteiras pra platéia).

Pelas minhas contas, já fiz mais de 500 espetáculos, discutindo sobre os mais variados assuntos: A trajetória do sabonete num banho comum (num dia sem muita idéia), a trajetória do sabonete num banho a dois (na época em que eu era feliz), e diversos assuntos mais.

Mas na última temporada, confesso, só um assunto surge na minha cabeça. Eu entro no palco, abrem-se as torneiras e começo: “Quando um não quer, dois não fazem muitas coisas (pausa para os pingos me aplaudirem) : Brigam, conversam, jogam pingue-pongue, se beijam, namoram e até, a não ser em casos extremos, copulam.

Toda e qualquer forma de relacionamento humano depende única e exclusivamente da vontade (ou necessidade) das pessoas envolvidas.

Quando A e B se encontram, temos 4 situações possíveis:

-O A quer e o B também, isso é bom, veremos risadas, beijos, abraços, carinhos … enfim … como diria Tim Maia, o que importa é o amooor!

-O A quer e o B não. Partindo-se do pressuposto que o A é um homem e o B é uma mulher, a situação se complica. Veremos vários copos de cerveja na mão do A pra conseguir abordar o B, veremos papinhos ridículos como: Belle e Sebastian pra mim é TUDO!, veremos o A se expondo ao ridículo e o B vendo seu ego crescer, crescer e crescer. Veremos os amigos do A rachando o bico da cara dele depois do pé na bunda que ele tomará, e finalmente, veremos o
B beijando outro A logo depois, só porque ele é mais “in” que o primeiro.

-O A não quer e o B quer. Se continuarmos pensando na condição anterior, dizer que o A não quer é só uma questão de tempo. O B tem diversos recursos para mudar a opinião de A, a não ser que esse B seja tão feio que pareça um W, e o A esteja ainda sóbrio.

-A e B não querem. Isso é bom, aliás, é a mais fácil de todas a situações. Nada acontece.

Não tenha dúvida que as situações 2 e 3 são responsáveis por quase todos os problemas da humanidade.”

E por aí vai …

O mais interessante é que quanto pior está a vida, mais engraçado fica o show. Já teve caso da água se recusar a entrar pelo ralo, até eu atender aos pedidos de “bis”, quase afogado dentro do box. Se as coisas continuarem assim, tenho medo de inundar o bairro. Afogado no sucesso.

terça-feira, 16 de abril de 2013

A Dentista

Minha dentista se chama Patrícia. Paty. Imagino que seja com ipsilone, fica mais fino. Linda, Paty.

Há tempo queria conversar com ela. Fazer uma tentativa. Por que não? Mas não conseguia.

No consultório, eu estava sempre com a boca aberta, cheia de algodão. Ou com aquele maldito sugador pendurado. Também tem outra: no consultório, me sentia em terrível posição de inferioridade. Puxa, aquela mulher me esburaca a dentina, me torce os nervos, me raspa os tártaros. Aquela mulher, literalmente, me conhece por dentro. E o que sei dela? No máximo, que suas gengivas são rosadas e seus dentes reluzentes pastilhas brancas. No consultório não dava. Não mesmo.

Durante muito tempo, sonhei em encontrar Paty na noite. Nunca tive essa sorte. Aí, no fim de semana, fui para o Litoral. Águas Belas. Local com uma bela praia e não muito cheia e me hospedei na casa do meu amigo Gabriel, com a turma. Tudo bem, tudo legal.

Enfim, lá estava eu, em Águas Belas. Manhã de sábado. Decidi sair sozinho pela praia, os amigos ainda dormiam, tinham bebido demais na noite anterior. Fui, distraidão, a água do mar me penteando os cabelinhos da canela. Então a vi. Minha dentista. De biquíni! Nossa, que biquíni miudinho. Havia Patrícia por todos os lados, em volta daquele paninho mínimo.

A chance pela qual esperava chegara. Mas o que dizer para ela?

Tinha que ser algo especial. Algo que a interessasse. Ela agora se estendia de costas na cadeirinha de plástico. Por que não pensei antes no que falar? Estava cada vez mais perto. O que será que pode chamar a atenção dela? Faltavam poucos metros. O que a interessaria, sem erro? Ela virou a cabeça para o lado. Reconheceu-me. Sorriu. O sorriso me animou.

É agora, pensava. É agora.

Precisava decidir rápido. O que a interessaria? O quê?

– Oi – cumprimentei, ajoelhando-me ao seu lado.

O que falar? O que falar? O que falar?

– Oi – ela respondeu.

Um oi lindo. Muito bem pronunciado. Muito bem acentuado. Comecei a suar.

– Paty...

– Sim? – ela se apoiou nos cotovelos para me ouvir.

– Sabe, eu estava pensando, desde a última vez que nos encontramos...

– A última consulta?

– Isso. A última consulta.

– Que é que tem?

– Bom... – tomei a decisão ali, naquele instante. Uma ideia muito boa. Na verdade, uma ideia genial. – É que estava pensando nos pré-molares.

– Hein? – consegui surpreendê-la. Gol do Brasil.

– Os pré-molares – um assunto perfeito. Era certo que ela se interessava por isso.

– Os teus pré-molares? Algum problema com eles?

– Não. Os pré-molares em geral. Filosoficamente falando. É que, sabe, Paty – toquei no braço dela para gerar intimidade. – Estou impressionado com o poder dos pré-molares, toda aquela capacidade que eles têm de morder. Isso tem me deixado muito inquieto. Nem durmo mais à noite.

Paty me olhou espantada. Senti que tinha capturado a atenção dela. Estava no caminho certo. Resolvi sofisticar.

– E tem mais – acrescentei.

– Mais? – um pouco receosa.

– Os caninos.

– Os caninos?

– Os caninos. Eles rasgam maravilhosamente. Li em algum lugar que, no tempo em que éramos homens das cavernas, nossos caninos eram bem mais desenvolvidos. Será verdade?

– Pode ser... – Paty já estava sentada na ponta da cadeira, alerta, certamente embasbacada com meus conhecimentos odontológicos. Sim, senhor, os dentistas acham que são os únicos a saber sobre dentes e bocas em geral.

– Mas não existe nada que me fascine mais do que os sisos – prossegui, entusiasmado. – Veja, Paty: durante milênios tivemos sisos, mas nos últimos anos os dentistas os têm arrancado das bocas, para que os outros dentes não acavalem. É verdade isso ou não é? Diga: é verdade?

– Verdade, verdade – os olhos de Paty se arregalaram. Admiração pura, certamente.

– Pois aí o que começou a acontecer? Tu sabes? Diga: tu sabes?

– N-não...

– As crianças estão nascendo sem siso! – eu agora falava alto, empolgado com o sucesso do meu assunto. – Formidável! É a evolução das espécies! Darwin puro! É fantástico, Paty! – gritava. – Fantástico! Não acha fantástico, Paty?

Ela se levantou da cadeirinha. Levantei-me também. Limpei a areia dos joelhos.

– A-acho. Olha, vou ter que dar uma saída, não posso conversar agora.

– Mas, Paty, temos tanto a conversar. A periodontia, por exemplo. Adoro a periodontia, Paty – segurei no braço dela, tentando detê-la.

– Me larga!

– O mundo das gengivas, Paty! Quero falar sobre o mundo das gengivas!

– Sai! Sai!

Paty se livrou de mim num repelão. Foi-se, correndo, espalhando areia, fugindo como se eu fosse algum maníaco.

O que terá acontecido?

Minha conversa estava tão boa... Tentei tudo para agradá-la e ainda assim ela não reconheceu.

Oh, Deus, não há como entender as mulheres, realmente.

domingo, 17 de março de 2013

Todos os psicanalistas são felizes

Não confio muito em técnicos de futebol que tenham sido cracaços de bola. O técnico ideal é o que foi um pereba esforçado, quando jogador. Técnicos não são como psicanalistas. Esses, os psicanalistas, os psiquiatras, os terapeutas todos, eles PRECISAM ser felizes. Porque, puxa, a função de um terapeuta é interpretar a alma do seu paciente, desenhar com essa interpretação um mapa e usá-lo para guiar o paciente à felicidade, não é? Tem de ser.

Afinal, quem está totalmente feliz procura um terapeuta? A resposta é: não. A primeira intenção do paciente, portanto, é descobrir o caminho para a beatitude, para a satisfação plena. Ou seja: torna-se indispensável, ao terapeuta, conhecer o caminho da paz, caso contrário seu paciente continuará a tatear no pântano sombrio da infelicidade.

Os terapeutas são como aquelas mulheres dos institutos de beleza. Pense: o troço se chama “instituto de beleza”. Quer dizer: uma instituição destinada a tornar bela a sua clientela, com o perdão da rima. Logo, uma mulher que trabalha num instituto de beleza deve ser bonita. Ou pelo menos ela há de estar no ponto mais alto do seu potencial de beleza. Entenda: o Destino, esse debochado, pode muito bem não haver aquinhoado a moça com os traços mais harmônicos, não há necessidade de ela ter uma boca carnuda de Angelina Joulie ou um nariz orgulhoso de Nicole Kidman, mas tudo tem de estar direitinho com ela. Ela não pode, por exemplo, usar casaco. Nem coque, pelamor de Deus.

O técnico de futebol, não. Não existe tal exigência. Ao contrário: ele NÃO DEVE ser craque. A antiga craqueza, no caso do técnico, às vezes até atrapalha. O craque é intuitivo, ele joga quase que por instinto, a intimidade com a bola está registrada no seu DNA. Logo, lhe é complicado ensinar o que faz com tamanha naturalidade. Um jovem jogador não sabe dominar a bola? O ex-craque não compreende como é possível. Para ele, dominar a bola é como fazer seu pâncreas funcionar. Funciona, pronto.

Agora, quem se esforçou para aprender, quem teve de entender o jogo para poder superar as dificuldades impostas pela Natureza, esse será um bom técnico. Porque o conhecimento vem da dor, entende? Da DOR. Você quer ser maduro, você quer compreender a vida, você quer a sabedoria? Extraia isso tudo dos seus momentos de sofrimento. Não sofra, apenas, rapaz; entenda por que você sofre.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

A gente vai levando

Nós vivemos no gerúndio. Nós brasileiros. Estamos sempre fazendo, sempre chegando, estamos quase lá, espere um pouquinho, já vai.

Nunca estamos prontos.

O Brasil nunca fica pronto.

É por isso que usamos tanto o gerúndio ao falar e ao escrever. Agimos como falamos; falamos como pensamos.

Os portugueses se espantam com o nosso abuso do gerúndio. É curioso: empregamos a mesma língua, a última flor do Lácio inculta e bela, como diria Olavo Bilac. Mas não a empregamos da mesma forma. Exageramos no gerúndio e no diminutivo, e não é por acaso. Porque precisamos do diminutivo para amolentar as expectativas dos outros. Não queremos que os outros esperem e exijam tanto de nós. Afinal, vivemos no gerúndio. Estamos fazendo, estamos nos preparando, estamos indo. Calminha, queridinho.

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O gerúndio invencível

Quando você liga para uma operadora de celular, por exemplo. A moça promete com aquela voz de alcachofra:

– Nós vamos estar disponibilizando.

Ela aparafusou dois verbos antes do gerúndio. O que significa isso? Significa que ela está com as orelhas entre fones de ouvido, lixando as unhas, vendo as fotos da Caras. Ela está fazendo tudo isso enquanto FINGE ouvir as suas reclamações.

Um gerúndio protegido por dois verbos é intransponível. Jamais deixará de ser gerúndio.

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O gerúndio da vitória

Um amigo meu enfrenta com galhardia o gerúndio. É o seguinte: faz meses que ele cerca uma mulher casada. Trata-se de um amigo que tem preferências por assediar casadas. Diz ele que uma casada, quando se entrega, faz com que o sedutor se sinta um macho selvagem, um campeão do sexo, um príncipe das atividades interlençóis. Porque, por ser casada, ela não está mais acostumada a noitadas tórridas, tudo para ela é tépido, tudo é cinzento e baço feito um jogo do Grêmio. Então, o meu amigo toma uma casada nos braços e faz TUDO com ela. E ela diz:

– Que homem! Não existe homem como você!

Esqueceu-se, a casada infiel, que o próprio marido dela, um dia, antes de ser vitimado pela modorra do matrimônio, também foi fogoso, também foi selvagem, também foi um campeão.

Enfim.

O fato é que meu amigo está assediando há meses essa morena, alta, de pernas longas, nádegas sólidas como a defesa da Alemanha, seios agudos como um contra-ataque de Robben e, bem, você sabe que tipo de mulher. Ele tenta e tenta, e nada. Aí dia desses ele me procurou uivando de felicidade. Perguntei-lhe a razão. Ele respondeu:

– Ela disse que ESTÁ PENSANDO nas minhas propostas.

Ri:

– Pô, mas então você está no gerúndio...

Ele rebateu:

– Não: o casamento dela é que está no gerúndio.

Sábio, o meu amigo que adora casadas.