sábado, 30 de agosto de 2008

Alma gêmea, não posso esperar

Olá, aqui é sua alma gêmea. Sim, sou eu, aquela pessoa especial que só existe neste mundo para complementar você. Eu sou sua cara-metade. A tampa para sua panela. A pessoa mais importante que você pode ter ao seu lado na vida. Aquela pessoa. “A” pessoa. Eu. Moi. Me. Enfim, acho que você já entendeu.

Estou lhe escrevendo porque estou muito, muito preocupada com a sua demora em me encontrar. Essa demora está me matando. Eu quero acreditar que o destino irá nos unir no final, mas não estou muito segura disso. Você não está ajudando muito, alma gêmea. Não está.

Sabe aquele dia em que você não esperou a moça do caixa lhe entregar a nota fiscal, e saiu correndo pro teatro? É uma pena… se você tivesse esperado, perderia segundos importantes do seu tempo, você não conseguiria pegar o ônibus em tempo, o que faria você chegar atrasado para a peça. Ficaria do lado de fora, inconformado. E iria me encontrar, tão inconformada como você. Nós reclamaríamos do teatro, do trânsito, falaríamos de como é difícil encontrar peças boas e dos boatos sobre o sexo de Shakespeare. Acabaríamos num café charmoso, agradecendo por termos perdido o teatro e encontrado um ao outro. Mas…

Você não esperou a moça do caixa! Não esperou! Como pôde? Você não quer me encontrar? É isso?

E o curso de desenho artístico que você foi fazer? Errado! Muito errado! Se tivesse feito fotografia, teria me encontrado. Eu estava lá, na mesma escola. Poderíamos ter feito muitas coisas juntos. Tirar fotos um do outro. Ver as coisas por outro ângulo. Re-enquadrar nossas vidas. Mas não. Você quis fazer desenho artístico. E eu quis um caso com o professor de fotografia, que era um gato, achando que, dessa vez, era você. Só que não era.

Sabe aquele dia chuvoso, em que você saiu sem o seu guarda-chuva? E se eu estivesse passando por você na mesma calçada, preocupada com a chuva, e você tivesse como oferecer abrigo para mim? Você não pensa nisso, não é? E se naquele dia fosse eu quem estivesse de guarda-chuva para dividir com você, você não pode sair de casa com ele! Ou seja: saia de casa com guarda-chuva, sempre. Ou não, dependendo do dia. Você me entendeu.

Estou perdendo a paciência. É tudo tão aleatório… Você está lendo isso numa lan-house? Olhe pra trás, pode ser eu. Tsss… errou de novo. Alma gêmea, não demore. Olha lá, o professor de fotografia atravessando a calçada. Não sei se posso esperar…

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Bendita torrada

Era uma manhã rotineira na vida de José Mário. Matemático, professor de faculdade e ateu convicto até o apocalipse, comia religiosamente 2 torradas com manteiga e geléia de morango. (Deus me livre se não houvesse geléia de morango!) Era uma equação simples. Duas passadas de faca na manteiga sem sal e uma colherzinha de geléia aplicada com uma força X, suficiente para espalhar a geléia, mas não o suficiente para quebrar a torrada. José Mário necessitava segurar a torrada com uma força Y= -X, para balancear as forças evitando que a torrada caia no chão. Caso Y>-X, inevitavelmente a torrada cairá com sua face geleística voltada para baixo, exatamente como ocorreu nessa manhã aparentemente rotineira.

A regra universal que dita a sujeira no mundo desde a gênese diz que se um objeto cai e fica por menos de 5 segundo no chão, o objeto ainda estaria limpo e pronto para o consumo. José Mário, como exímio conhecedor de regras universais e há muito morando sozinho, recupera a torrada do chão e qual sua grande surpresa? Estava lá. Claramente. Milagrosamente nítida. A cara de Jesus Cristo estampada em sua bendita torrada.

O que um ateu faz quando se depara com um milagre?

A primeira reação de um ateu é a contestação. Como São Tomé, primeiramente desconfia. Não, nada a ver. É coisa da sua imaginação. É como olhar as nuvens e encontrar formas. Mas olhando melhor, a imagem era divinamente clara. Havia até um certo brilho santo ao redor da imagem. Fez-se a luz nas camadas de manteiga. Qual era a chance disso acontecer? Calcula as probabilidades. Menos de 1 bilhão para um de tal evento acontecer com tanta precisão. É, os números estavam contra ele. Justo os números que tanto confiava. Tenta repetir o experimento. 2 pacotes de torradas de imagens disformes. O máximo que conseguiu foi em uma torrada que se olhada de um ângulo específico, até poderia se assemelhar, vagamente, a um coelhinho caolho sem orelhas. Resolveu parar, pois não poderia faltar a geléia de amanhã, e Deus me livre se não há geléia de morango!

Segunda reação de um ateu, a dúvida. E se fosse realmente um sinal divino? Todos esses anos comendo carne vermelha na sexta-feira santa? As vezes que cobiçou a mulher do próximo, as que via revistas de mulher pelada escondido no banheiro ou quando roubou figurinhas jogando bafo… Tudo isso seria uma passagem segura para o inferno? Seria um alerta para que ele começasse a frequentar a igreja?

Terceira reação de um ateu, a revolta. José não se daria por vencido. Ele não jogaria a batina assim tão fácil. Não seria uma torrada a romper toda a sua (des)crença. Quer briga? Então olha o que eu faço com sua torrada! José aproxima a torrada à boca, lentamente abre sua bocarra e prepara uma grande mordida entre a coroa de espinho e a sobrancelha esquerda de Jesus.

Quarta reação de um ateu, a redenção. Espera! Talvez seja melhor não comer a torrada. Afinal ela caiu no chão. Talvez tenha passado mais dos 5 segundos. Pode haver micróbios. Pode causar dor de barriga. Imagina se dá um piriri. E com piriri não se brinca! Pior que as pragas do Egito! Lavo minhas mãos. Melhor pegar outra torrada.

Resolveu deixar a torrada milagrosa de lado. Mas a cara de Jesus continuava encarando-o. A pulga atrás da orelha ainda coçava. Há de haver uma explicação mais razoável que uma entidade toda poderosa sem ter mais o que fazer além de pregar peças em matemáticos ateus. Existe algum fator que passou despercebido. Algo que dê a luz sobre esse mistério. Olhe atentamente, analise friamente…

Eureca!

Como não havia visto isso antes! Era óbvio! A vida volta a fazer sentido. A figura na torrada não é o Jesus Cristo! É o Humberto Gessinger! Claro, por que acreditar em um Ser Supremo invisível, inatingível? O Humberto Gessinger era real, estava ali, ao alcance de todos! É lógico! O Papa é Pop! Quem mais sofreu tantas perseguições e foi crucificado pela crítica? Quem mais ressucitou o Engenheiros do Havaí quando ninguém mais esperava?

Satisfeito, José Mário guardou a torrada junto com os antigos álbuns do Engenheiros e saiu cantarolando. Esse Humberto Gessinger é foda! A Infinitaaaa Hiiiiighwayyyyy…

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Tirem as crianças da sala

O tema é sacanagem, como diria o Jô. Saliência, como diria o Zóio. Furunfagem, como diria o Assis.


E pra não causar mal entendidos, não sofro de males como preconceitos, não sou adepto do falso moralismo e nem farei críticas. O mundo é um imenso bordel e quem sou eu para não comprar um ingresso?


Mas o que tem me chamado a atenção, de uma maneira curiosa, é como a linguagem da mídia se modificou de, sei lá, uns vinte anos pra cá.


Eu me lembro de quando eu era novinho. Lá em casa sempre teve daquelas revistas de novelas e fofocas, e eu, um ávido leitorzinho, devorava todas que aparecia. Afinal, aconteceu virou manchete. Quando o casal da novela finalmente chegavam nos finalmentes, a revista disparava com exclusividade: “Doraci cai nos braços de Heitor”. Não tentem lembrar desses nomes porque eu nunca me lembro dos originais e vou inventar todos.


Alguns anos mais tarde as revistas começaram a ficar mais saidinhas. Quando os protagonistas se entregavam ao desfrute as revistas traziam a notícia chocante: “Paula Helena dorme com Agenor”.


Minha cabeça infantil não pescava o duplo sentido do ato de dormir.


O próximo passo já escandalizava as senhoras da comunidade, e as revistas começaram a subir nas prateleiras da banca de jornal. “Cidinha vai pra cama com Jorjão”.


Agora o mundo estava virado! As revistas de fofocas estavam trazendo pornografias! Chamem o censor! Onde estão as tarjas?


Depois disso que a coisa degringolou de vez. Lembro do mal estar que uma dessas revistas que querem estar contigo em todo lugar causou quando colocou na capa, em letras garrafais: “Marilu transa com Vavá”.


A moral e os bons costumes foram para o ralo. A família se perdeu. Os jovens estão condenados.


Recentemente passei por uma banca e vi, numa inocente revista de fofocas: “Giovana Laura faz sexo selvagem com o Mecânico Misterioso”. Não pude deixar de dar um sorrisinho de canto de boca.


Mas isso é bobagem se a gente for pensar em algumas atrizes que até há alguns anos eram moças acima de qualquer suspeita, grandes personagens de grandes novelas, e agora são respeitáveis protagonistas de filmes pornôs. “Sou uma atriz, é um trabalho como outro qualquer. Escolhi todos os atores e a minha família me deu a maior força.”


Já disse e repito, eu não tenho problemas com preconceitos e nem falso moralismo. Muito pelo contrário, inclusive. Tenho adorado esses novos personagens das atrizes.


Mas que fica muito engraçado quando voltamos alguns anos no calendário, ah fica.


E aguardo ansioso ao próximo filminho.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Namorada de aluguel

Nunca vou esquecer da primeira vídeo-locadora do bairro. Chamava “Vera Vídeo”! Quer dizer … Leda! Não, não … era Vera mesmo. Quer dizer, olha … o nome eu não lembro, mas lembro direitinho do lugar! No quarteirão da Avenida Contorno Norte logo depois do depósito Walter , no Conjunto Esperança. Lado direito, duas lojas depois da esquina (ou seria uma loja só?). Fachada azul e porta de vidro com revestimento fumê.

Meu pai foi quem fez a ficha da família lá. Nosso número era 155. Disso eu lembro direitinho! Foi um dos primeiros números que eu decorei na vida.

Dentre as primeiras lembranças que eu tenho do local, era a estante com filmes esportivos. Na prateleira dos filmes de carro pra ser mais específico. Eu adorava a série “Havoc”! Uma seqüência de fitas que mostravam os acidentes de carro mais espetaculares de todos os tempos. A locução devia ser inglesa. Eu não entendia nada, mas lembro da legenda com um texto bem ácido. Uma das cenas que mais me marcou foi numa corrida de carros de série (não lembro se era rali ou pista) em que o veículo capotou e a porta acabou caindo. O piloto bravamente continuou na corrida, e o locutor disse : “E lá vai o piloto aproveitando seu novo ar condicionado!” Eu me matava de rir!

Mas isso tudo é só um aperitivo bem feito perto da minha maior lembrança. Eu devia ter entre 8 e 9 anos e, passando de carro por lá, me assustei ao ver uma placa branca com letras vermelhas dizendo : Temos Namorada de Aluguel. Uau!

Nessa época, namoro pra mim era algo absolutamente idealizado. Eu era ridiculamente romântico. Um menino bonitinho de olhos castanhos, cabelos quase brancos de tão loiros e completamente despenteados. Perdidamente apaixonado pela menina mais bonita da classe. Mais bonita de todas! E não é que eu tava vendo coisa demais, não! Quase todos os meninos da classe queriam namorar com ela. Mas eu gostava muito mais. De doer a barriga, sabe?

Nessa época, minha auto-estima era equivalente ao dedo mindinho esquerdo do nosso nem tão excelentíssimo presidente : praticamente nula. Eu sabia que ela era areia demais pro meu caminhãozinho. E eu nem sabia plantar bananeira, como poderia conquistá-la ? Impossível!

Foi aí que a tal placa mágica apareceu. Eu lá, no banco traseiro do Chevette branco do meu pai, debruçado na janela e lendo “Temos Namorada de Aluguel”. Que puxa …

Será que se eu fosse lá e pedisse uma menina com as mesmas descrições da minha amada, poderia fazer uma locação?

Mais do que isso : será que, assim como podíamos fazer nos filmes, a locadora tinha um andar secreto onde todas as namoradas ficavam perfiladas e a gente ia dando uma olhada a fim de escolher a melhor opção? (Gente, eu tinha 9 anos! Não tou falando em sacanagem!).

Só de pensar nessa possibilidade eu já ficava com um pouco de pena das outras meninas que estavam lá e não iam ser escolhidas. Na minha cabeça todas eram bonitas. Uma pena ficarem naquele lugar escuro.

Da onde será que elas vinham ? Os pais delas sabiam que elas estavam lá?Essa história toda era um pouco esquisita, mas totalmente cabível na minha cabeça loira e despenteada (bons tempos aqueles dos cabelos …).

Com o tempo eu comecei a perceber que várias das locadoras que passávamos de carro tinham a mesma placa. O que complicava um pouco as coisas, pois nessa época eu tinha certeza que a gente só tinha uma alma gêmea. E em qual locadora ela estaria!?

Por sorte (ou azar … seria, no mínimo, uma ótima história pra se contar agora), eu nunca tive coragem de entrar na tal locadora, devolver o “Havoc 5” e perguntar se a mulher da minha vida estava lá dentro.

Depois de um tempo a placa sumiu. Mal sabia eu, que ela devia fazer parte de um plano de marketing pré-histórico para lançamento do filme “Namorada de Aluguel”. Aliás, só fui ver esse filme na TV anos depois. E pra piorar, só me toquei que uma coisa tinha a ver com a outra bem depois dos meus 18 anos. Aqueles insights que você tem depois de velho sobre uma lembrança da infância, sabe como é?

Mas como bem diz meu amigo Leandro, o bom dessa época é que todos esses questionamentos e sofrimentos amorosos, por mais intensos e verdadeiros que fossem, duravam até a hora que algum amigo interfonava ou tocava a campainha de casa falando : “Vamos descer pro térreo pra jogar bola?”

Bons tempos aqueles!

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

A maior de todas as polêmicas

Poucas coisas são capazes de causar polêmica hoje em dia. Num século onde política, futebol e religião já não são capazes de fazer a maioria da população brasileira partir para as vias de fato numa discussão, a gastronomia assumiu o papel de grande centro de discussões ideológico-filosóficas nas mesas de bar.

Posso dizer isso por conhecimento de causa, já que nunca usei meias-palavras nas minhas controvertidas opiniões neste segmento, seja como Gourmet de X-Salada que sou, como apreciador da única e verdadeira pizza (a de muzzarela), ou como contumaz crítico do presunto na lasanha.

Mas nada, eu garanto! Nada causará tanto pânico, horror e revolta quanto o que escreverei nas próximas linhas.

Se você não se julga capaz de controlar seus sentimentos em relação a algo que fere os seus princípios mais primitivos, rogo para que pare de ler esse texto agora. Por favor!

Se você continuou, a escolha foi sua. Eu tinha que escrever esse texto para me livrar desse tormento que me persegue por anos, mas você, caro leitor … você tinha escolha. Você poderia ter evitado isso:

Eu odeio a casquinha do sorvete!

Considero esse cone maldito uma aberração da culinária moderna. Quem, meus caros, quem é que sente uma louca vontade de devorar um prato de porcelana enquanto janta um delicioso faisão? Quem é o maluco que deseja, mais do que a mulher amada, mastigar cacos de cristal enquanto degusta o mais nobre bouquet francês ?! Será que algum infeliz, em toda a história da humanidade, fez questão de triturar taças de metal ao se refrescar com um legítimo sundae ou colegial?

Então por que, MEU DEUS, por que devemos comer o cônico recipiente que segura (muito mal e porcamente, diga-se de passagem!) o sorvete de massa que tanto adoramos!

Aquele cruzamento de cortiça com isopor deve ter sido utilizado pela primeira vez, como um desesperado improviso de um químico desempregado e ambicioso, que misturou diversas matérias primas de polímeros cancerígenos criando algo que aparentemente não atrapalhasse o gosto sorvete.

Um defensor da casquinha um dia ousou me argumentar que o “Cornetto” conseguira resolver bem o problema do finalzinho da ponta que fica sem sorvete:” Puseram um chocolatinho lá, que quebra com gosto seco da casquinha …”.

Como assim?! Se fosse bom, não precisavam colocar chocolatinhos alí!

O que mais me revolta, é que vivem falando que McDonald’s é comida industrializada, que tem gosto de isopor, que não é saudável. E A CASQUINHA?! Ninguém nunca disse que aquilo é isopor, mas olhem os furinhos, droga!! Isopor puro!! E as pessoas comem !!!

O McDonald’s deixou o isopor nas caixinhas de Big Mac na década de 80, atendendo a milhares de pedidos ecológicos, mas os sorveteiros continuam ferindo o nosso planeta! E vocês, comedores de casquinhas, não só compactuam desse mal, como ainda COMEM ISSO!!

Já que vocês gostam tanto desse tipo de comida, por que não experimentam os copinhos plásticos que pelo menos são mais sinceros e dizem: “Sim, eu sou um produto químico manufaturado!” Ou se você é bom mesmo, coma o palitinho dos sorvetes de praia! Vai lá! Come! Quero ver na hora de sair!

Agora me dêem licença, que o calor dessa noite, e principalmente dessa discussão me obriga a acabar logo com essa crônica!

- Garçom, um sorvete por favor… Copinho, heim ?! De copinho!