domingo, 28 de abril de 2013

Falando no Chuveiro

A maioria das pessoas canta no chuveiro. Pelo menos é o que elas dizem. Eu não, já que as paredes têm ouvido, prefiro poupá-las. Mas sou humano, e se tem um momento em que posso descarregar todas minhas aflições e agonias, é no banho. Só que faço isso de uma forma diferente: eu represento.

Como cronista amador que se preze, eu sempre tento olhar o cotidiano de uma forma inusitada. Isso já me colocou em situações ridículas, como quando deitei no chão do banheiro, debaixo da pia, para entender como é a visão de uma barata se escondendo.

Essa busca incessante por uma análise “descolada” do meu dia-a-dia tem seu ápice no meu banho. Onde faço meu show particular de “Stand-Up Comedy” (aqueles shows onde um humorista fica no palco, sozinho falando um monte de besteiras pra platéia).

Pelas minhas contas, já fiz mais de 500 espetáculos, discutindo sobre os mais variados assuntos: A trajetória do sabonete num banho comum (num dia sem muita idéia), a trajetória do sabonete num banho a dois (na época em que eu era feliz), e diversos assuntos mais.

Mas na última temporada, confesso, só um assunto surge na minha cabeça. Eu entro no palco, abrem-se as torneiras e começo: “Quando um não quer, dois não fazem muitas coisas (pausa para os pingos me aplaudirem) : Brigam, conversam, jogam pingue-pongue, se beijam, namoram e até, a não ser em casos extremos, copulam.

Toda e qualquer forma de relacionamento humano depende única e exclusivamente da vontade (ou necessidade) das pessoas envolvidas.

Quando A e B se encontram, temos 4 situações possíveis:

-O A quer e o B também, isso é bom, veremos risadas, beijos, abraços, carinhos … enfim … como diria Tim Maia, o que importa é o amooor!

-O A quer e o B não. Partindo-se do pressuposto que o A é um homem e o B é uma mulher, a situação se complica. Veremos vários copos de cerveja na mão do A pra conseguir abordar o B, veremos papinhos ridículos como: Belle e Sebastian pra mim é TUDO!, veremos o A se expondo ao ridículo e o B vendo seu ego crescer, crescer e crescer. Veremos os amigos do A rachando o bico da cara dele depois do pé na bunda que ele tomará, e finalmente, veremos o
B beijando outro A logo depois, só porque ele é mais “in” que o primeiro.

-O A não quer e o B quer. Se continuarmos pensando na condição anterior, dizer que o A não quer é só uma questão de tempo. O B tem diversos recursos para mudar a opinião de A, a não ser que esse B seja tão feio que pareça um W, e o A esteja ainda sóbrio.

-A e B não querem. Isso é bom, aliás, é a mais fácil de todas a situações. Nada acontece.

Não tenha dúvida que as situações 2 e 3 são responsáveis por quase todos os problemas da humanidade.”

E por aí vai …

O mais interessante é que quanto pior está a vida, mais engraçado fica o show. Já teve caso da água se recusar a entrar pelo ralo, até eu atender aos pedidos de “bis”, quase afogado dentro do box. Se as coisas continuarem assim, tenho medo de inundar o bairro. Afogado no sucesso.

terça-feira, 16 de abril de 2013

A Dentista

Minha dentista se chama Patrícia. Paty. Imagino que seja com ipsilone, fica mais fino. Linda, Paty.

Há tempo queria conversar com ela. Fazer uma tentativa. Por que não? Mas não conseguia.

No consultório, eu estava sempre com a boca aberta, cheia de algodão. Ou com aquele maldito sugador pendurado. Também tem outra: no consultório, me sentia em terrível posição de inferioridade. Puxa, aquela mulher me esburaca a dentina, me torce os nervos, me raspa os tártaros. Aquela mulher, literalmente, me conhece por dentro. E o que sei dela? No máximo, que suas gengivas são rosadas e seus dentes reluzentes pastilhas brancas. No consultório não dava. Não mesmo.

Durante muito tempo, sonhei em encontrar Paty na noite. Nunca tive essa sorte. Aí, no fim de semana, fui para o Litoral. Águas Belas. Local com uma bela praia e não muito cheia e me hospedei na casa do meu amigo Gabriel, com a turma. Tudo bem, tudo legal.

Enfim, lá estava eu, em Águas Belas. Manhã de sábado. Decidi sair sozinho pela praia, os amigos ainda dormiam, tinham bebido demais na noite anterior. Fui, distraidão, a água do mar me penteando os cabelinhos da canela. Então a vi. Minha dentista. De biquíni! Nossa, que biquíni miudinho. Havia Patrícia por todos os lados, em volta daquele paninho mínimo.

A chance pela qual esperava chegara. Mas o que dizer para ela?

Tinha que ser algo especial. Algo que a interessasse. Ela agora se estendia de costas na cadeirinha de plástico. Por que não pensei antes no que falar? Estava cada vez mais perto. O que será que pode chamar a atenção dela? Faltavam poucos metros. O que a interessaria, sem erro? Ela virou a cabeça para o lado. Reconheceu-me. Sorriu. O sorriso me animou.

É agora, pensava. É agora.

Precisava decidir rápido. O que a interessaria? O quê?

– Oi – cumprimentei, ajoelhando-me ao seu lado.

O que falar? O que falar? O que falar?

– Oi – ela respondeu.

Um oi lindo. Muito bem pronunciado. Muito bem acentuado. Comecei a suar.

– Paty...

– Sim? – ela se apoiou nos cotovelos para me ouvir.

– Sabe, eu estava pensando, desde a última vez que nos encontramos...

– A última consulta?

– Isso. A última consulta.

– Que é que tem?

– Bom... – tomei a decisão ali, naquele instante. Uma ideia muito boa. Na verdade, uma ideia genial. – É que estava pensando nos pré-molares.

– Hein? – consegui surpreendê-la. Gol do Brasil.

– Os pré-molares – um assunto perfeito. Era certo que ela se interessava por isso.

– Os teus pré-molares? Algum problema com eles?

– Não. Os pré-molares em geral. Filosoficamente falando. É que, sabe, Paty – toquei no braço dela para gerar intimidade. – Estou impressionado com o poder dos pré-molares, toda aquela capacidade que eles têm de morder. Isso tem me deixado muito inquieto. Nem durmo mais à noite.

Paty me olhou espantada. Senti que tinha capturado a atenção dela. Estava no caminho certo. Resolvi sofisticar.

– E tem mais – acrescentei.

– Mais? – um pouco receosa.

– Os caninos.

– Os caninos?

– Os caninos. Eles rasgam maravilhosamente. Li em algum lugar que, no tempo em que éramos homens das cavernas, nossos caninos eram bem mais desenvolvidos. Será verdade?

– Pode ser... – Paty já estava sentada na ponta da cadeira, alerta, certamente embasbacada com meus conhecimentos odontológicos. Sim, senhor, os dentistas acham que são os únicos a saber sobre dentes e bocas em geral.

– Mas não existe nada que me fascine mais do que os sisos – prossegui, entusiasmado. – Veja, Paty: durante milênios tivemos sisos, mas nos últimos anos os dentistas os têm arrancado das bocas, para que os outros dentes não acavalem. É verdade isso ou não é? Diga: é verdade?

– Verdade, verdade – os olhos de Paty se arregalaram. Admiração pura, certamente.

– Pois aí o que começou a acontecer? Tu sabes? Diga: tu sabes?

– N-não...

– As crianças estão nascendo sem siso! – eu agora falava alto, empolgado com o sucesso do meu assunto. – Formidável! É a evolução das espécies! Darwin puro! É fantástico, Paty! – gritava. – Fantástico! Não acha fantástico, Paty?

Ela se levantou da cadeirinha. Levantei-me também. Limpei a areia dos joelhos.

– A-acho. Olha, vou ter que dar uma saída, não posso conversar agora.

– Mas, Paty, temos tanto a conversar. A periodontia, por exemplo. Adoro a periodontia, Paty – segurei no braço dela, tentando detê-la.

– Me larga!

– O mundo das gengivas, Paty! Quero falar sobre o mundo das gengivas!

– Sai! Sai!

Paty se livrou de mim num repelão. Foi-se, correndo, espalhando areia, fugindo como se eu fosse algum maníaco.

O que terá acontecido?

Minha conversa estava tão boa... Tentei tudo para agradá-la e ainda assim ela não reconheceu.

Oh, Deus, não há como entender as mulheres, realmente.