Ela se virou de lado. Assestou a
orelha no travesseiro. E miou, sorridente:
- Amanhã é seu aniversário...
Ele apenas sorriu de volta,
modesto: era. Ela continuou, rouca:
- Pode pedir o que quiser...
Ele arregalou os olhos.
- O que eu quiser?
Ela, lambendo os lábios, a
malícia faiscando nas bordas das pupilas:
- Arran...
Ele sentou na cama, apoiando-se
nos cotovelos:
- Tudo mesmo?
- Tudo. Tudinho... - disse:
tudjinho, com dê e jota.
Ele olhou para o gesso do teto,
sonhador:
- Quero que você seja loira!
Ela arregalou os olhos. Sentou-se
também.
- Lo-loira? - gaguejou. - Quer...
que pinte o cabelo?
- Isso! - Estava ereto, agora.
Esfregava as mãos. - Isso! Sempre quis que você fosse loira. Sempre quis.
Ela deitou a cabeça no
travesseiro. Fechou os olhos. De olhos fechados, concordou:
- Tá bem. - E depois de um
suspiro: - Tá bem...
Na manhã seguinte, ele saiu de
casa saltitante, foi trabalhar assobiando uma música dos Travessos. Ela acordou
sentindo uma pedra no peito e uma bola de tênis na garganta. Não conseguia se
imaginar loira. Ao contrário: sempre se orgulhara dos cabelos negros, jamais
tocados por tintura. Loiras... Sabia bem como eram. Vistosas, é verdade. Tinha
de admitir que loiras chamavam a atenção. Porém, eram dissimuladas, orgulhosas.
Arrogantes, até. Além do mais, a vida inteira desprezara as falsas loiras e
suas raízes de cabelo pretas. Que nojo. Mas havia prometido... Que idéia era
aquela, "pode pedir o que quiser"? Bem-feito!
Foi um dia difícil. Um dia de
angústia. Por que ele pedira aquilo? Não gostava dela como era? Cobiçava alguma
loira? Estava ficando com raiva do desgranido.
À tarde, na hora da
transformação, o ódio se desfez em soluços. O cabeleireiro teve de lhe buscar
um copo d´água com açúcar. Só se sentiu melhor quando saiu do salão e passou
por dois homens de terno. Eles a olharam de um jeito que nunca havia sido
olhada antes: com gula. Por que os homens olhavam assim para as loiras?
Em casa, mirou-se no espelho. Não
conhecia aquela ali refletida. Vestiu sua lingerie mais ousada, uma que nunca
tivera coragem de usar. Ele chegou e tomou um susto.
- Meu Deus, é outra mulher!
Era. Foi uma noite de amor única.
Nem na época de namorados tiveram uma noite igual. Pela manhã, ele se levantou
cansado, mas satisfeito. Ajeitava a gravata para ir trabalhar, quando ela saiu
do quarto. Estava já vestida: saia mínima, decote íngreme.
- Onde você vai assim? -
espantou-se ele.
- Ao super - respondeu ela, já
saindo. Saiu. Ele correu para a janela, perplexo, a tempo de vê-la ondulando
pela rua. Ondulando. Queria uma loira. Tinha uma loira.