sexta-feira, 29 de maio de 2009

Um simples pedido a Deus

- Meu Deus do céu, há como Você tirar uma dúvida minha?

- Claro, meu filho.

- Bem, posso chamar o Senhor de Você ou uso outro pronome de tratamento, como Vossa Santidade?

- Chame como quiser. Diga o que quer.

- Olha, não é nada muito complicado.

- Então diga.

- Não se preocupe que não falarei de política, de alta de juros, queda do dólar, crise financeira mundial etc. Se ainda fosse ascensão do dólar, vá lá, mas baixa não dá.

- Filho, deixe de lero-lero, vá direto ao assunto.

- Tá, esqueço que o Seu tempo é precioso. Sabe o que é? É que eu cheguei à conclusão que o o mundo não deu certo, tá tudo errado por aqui. Decididamente, o Senhor errou, e errou feio! Estou decepcionado! Não vou entrar no mérito de guerras, Saddam, Bin Laden, Bush, dentre outros canalhas e cretinos. O buraco é bem mais embaixo. Também não quero comentar sobre a patifaria do petróleo, sobre riquezas mal usadas e só exploradas pelos senhores do poder. Não vou lhe importunar com questões sórdidas de cunho religioso, de pouca fé das pessoas, do fanatismo idiota de outros, da falta de vergonha na cara dos beatos hipócritas, da falta de moral dos pastores e padres pedófilos, dos "papa hóstia", das confissões mentirosas e das promessas não cumpridas.
Perdão, Senhor, mas não é isso que me preocupa.

Também não quero perturbar sua consciência com devaneios sobre o por quê do homem querer conquistar o espaço, pois ele desconhece a própria alma, o próprio cérebro, seus sentimentos e atitudes. Além disso, o homem não se contenta em poluir o planeta, polui o espaço, o espírito e a mente. Também não vou perguntar sobre a miséria que assola o mundo, onde a maioria das pessoas não tem o que comer, enquanto uns poucos limpam, com o perdão da palavra Senhor, a bunda com nota de cem dólares.

Não quero lhe aporrinhar com perguntas de cunho intrínseco do ser humano, onde percebo que não existem mais valores. As pessoas tornaram-se superficiais, volúveis, descartáveis. Elas se casam, namoram, ficam, mas só pensam no próprio umbigo. Estão preocupadas com estética, e não em ter atitude. Preocupam-se em tomar pílulas, e não em tomar vergonha na cara.

Também não vou reclamar da pneumonia asiática, Aids, ebola, gripe suína e outras doenças criadas pelo homem. Isso sem falar na falta de paciên...

- PARE, meu filho! Por favor!

- Mas Senhor, eu nem falei ainda o que quero saber?!

- Por favor, já tenho muito problemas. Provavelmente você virá com mais um problema, mais uma mania, mais uma teoria, mais uma qualquer coisa.

- Viu por que o mundo não dá certo? Todo mundo já tá de, perdão, saco cheio de tanto problema. As pessoas querem soluções. Eu quero uma.

- Tá, depois de ouvir o seu discurso, qual a solução que quer?
- Quais são os números da Mega-Sena?

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Vida Boêmia

Eram quatro amigos. Desses das antigas. Amigos de faculdade, onde, durante anos, iam beber naquele mesmo boteco depois das aulas. Com o passar do tempo, esses encontros se tornaram cada vez mais escassos. A vida, enfim, domou a vida boêmia; esta trocada por mulheres, filhos, família, trabalho, responsabilidade. Mas da chama boêmia ainda resistiam algumas fagulhas, o que levou estes quatro amigos a se reencontrarem.
O velho boteco da faculdade há muito havia fechado suas portas. O centro da cidade não era mais aquele marcado em suas lembranças. A solução foi apelar para um daqueles guias que acompanham as revistas semanais. Optaram por um lugar recém aberto na Varjota, muito bem conceituado pelo guia.
Chegaram e se aconchegaram numa mesa. Aguardaram o garçom Surge uma figura jovem, com cabelo espetado, piercing na sobrancelha, todo vestido de preto.
- Pois não? Em que posso servi-los?
- Nós estamos esperando o garçom.
- Eu sou o garçom de vocês. Pode me chamar de Dee Jay.
- Di jei? Isso lá é nome de garçom?
- Ah, bons tempos em que os garçons se chamavam Tibúrcio ou Leôncio.
- Ninguém se chama mais Leôncio hoje em dia.
- Deixa disso pessoal, Dee Jay, traga uma cerva bem gelada pra começar.
- Só temos chopp.
- Que absurdo! Vamos pra outro lugar!
- Será que eles têm Malt 90?
- Não fabricam mais essa cerveja.
- Então 4 chopps, certo?
- Claro. Chopp normal? Ou preferem com menta ou groselha?
- Groselha no chopp? AAAAARGH!!! Prefiro uma caipirinha então.
- Chopp bom era do polonês. Aguém sabe que fim levou o polonês?
- Morreu em 88.
- Então anota aí Dee jay. Uma caipirinha e três chopps normais.
- Ok, 3 chopps. a caipirinha é de que? Limão, morango, kiwi, frutas vermelhas?
- Frutas vermelhas? Que diabos são frutas vermelhas? Tem caqui também?
- A dona Clotilde fazia um doce de caqui...
- Morreu também.
- Traga uma de limão, tradicional.
- Então são três chopps e uma caipirinha de limão. Caipirinha de cachaça, vodka ou saquê?
- Quem em sã conciência iria colocar saquê na caipirinha? Vamos embora!
- Eu falei pra irmos ao bar do Pascoal.
- O bar fechou em 92.
- Ô Dee Jay, são três chopps normais e uma caipirinha de limão com cachaça.
- Adoçante?
- AAAAAAAHHHH!
- Irrrrccc
- Tsc, tsc...
- Não! Sem adoçante. E traz uma porção de calabresa, dessas tradicionais mesmo. E sem amis perguntas.
Quando o Dee Jay chegou com os pedidos, aquela chama boêmia definitivamente se dissipou. Não há boêmia que resista ao molho de maracujá em cima da calabresa.

terça-feira, 12 de maio de 2009

A salada

- Que grandes tragédias galgam nossa pífia existência. Verde, vil, virulento. Sim, é este o grande empecilho que enfrento antes da grande pilhagem. Os talheres formalmente arranjados simetricamente. A falta de odor incomoda. Devo continuar? É prudente arriscar-me assim? Grandes ânsias e angustiantes sofrimentos hão por vir.
Sim, decido seguir em frente. Vegetais. Nada além de plantas. Por que tanta temeridão? Encho meu peito de esperanças e pensamentos reconfortantes. Pego o garfo e inicio minha penitência. Regorjizo, mas continuo impávido. O gosto verde em minha boca, a textura áspera descendo pela minha garganta. Horror! Horror! Não quero ir em frente, mas preciso. Provações cruéis permitem a visão da essência de nossos medos e assim conseqüentemente tornar-nos-emos mais fortes para agüentarmos provações ainda piores. Afinal, a vida não é um infinito ciclo de sofrimento e recompensas?
Sim, continuo. Continuo a investida contra a miniatura de selva. O relógio continua em sua dança, mas em ritmo cada vez mais lento. Desespero! Perco a razão. Quero sair! Mas não posso. Sinto-me acorrentado pelos grilhões impostos por forças além de meu controle. Utilizam de subterfúgios sobre minha saúde ou sobre suas qualidades gastronômicas. Sei que me enganam e ignoro seus argumentos. Sou pego apenas pela força, pela força moral e pela doce recompensa final. Deixo que percebam minha insatisfação com tal situação. Mas de nada adianta, não estão dispostos a ceder como tantas outras vezes já o fizeram. O que se passa em suas mentes nesses momentos nunca saberei.
Talvez seja um misto de prazer e de dever cumprido. Torturar seu primogênito com tais artifícies. E eu os considerava como grandes. Minha mão se move em direção a uma segunda tentativa. Meu estômago já se embrulha sabendo o que há por acontecer. Continuam impassíveis quanto a decisão de continuar tal angústia. Apenas uma coisa irá me salvar....

- Doaninho! Quer parar de enrolar e comer logo essa salada? Já disse que só irei servir a sobremesa quando terminar seu prato!
Lembranças da minha infância. Este texto é pra você mãe. Te amo.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

A alface

Ele estava muito animado com o almoço, apesar de ter tentado insistentemente que fosse o jantar, considerou o almoço uma meia vitória. Já estava de olho nela há muito tempo, desde que ela aparecerá na recepção da agência. Morena de um metro e setenta, olhos verdes, longos cabelos lisos, e uma silhueta que deixava até a estagiária do quinto andar morrendo de inveja. Já nos seus 26 anos, ainda solteira e disponível no momento. Era perfeita.

Passou dois meses com conversas de escritório, começou a acidentalmente esbarrar com ela na copa, e diversas vezes marcava almoço com amigos só para que ela ligasse em sua mesa. Adorava ouvir:

- Marcos. Bom dia.
- Bom dia Carlinha, ficou com saudades e resolveu me ligar.
- Não, quer dizer, bem...seu amigo chegou.
- Estou descendo.

Colocou a roupa mais descolada que pareceria que ele não estava propositadamente descolado para aquela ocasião. Uma difícil combinação de calça, camisa, cinto e sapato que tomou-lhe quarenta minutos da manhã. Valeria a pena, pensou. Se o almoço for bem, aí vem um jantar. Preferia jantares, certamente uma ambiente mais adequado para criar um clima e também envolver bebida alcóolica na jogada. Era paciente porém, com o tempo aprenderá que tudo que vale a pena, dá um pouco de trabalho.

Ela fez questão de escolher o restaurante e iriam com o carro dele. Ele passou a manhã fantasiando sobre o restaurante que ela o levaria. Uma surpresa, ela havia dito. Não que ele gostasse muito de surpresa, mas como era um bom glutão, não tinha medo de comida alguma, fora jiló, claro.

Passou na recepção no horário combinado, onze e quarenta e cinco. Ela era muito metódica com horário. Desceram ao estacionamento e saíram. Após cinco minutos de percurso, ela apontou:

- Estacione aqui, chegamos. Você vai adorar.

Ele não viu bem o nome do restaurante mas parecia ser um lugar muito agradável, com uma varanda grande, salão todo envidraçado. Ambiente muito agradável.

- É o melhor vegetariano de São Paulo.
- Quem?
- O restaurante.
- Er...
- Calma, a comida é uma delícia, a carne de soja é ótima.
- Er...

Sentaram, ele ainda em estado de choque, afinal a mulher perfeita o levou num restaurante vegetariano, não podia ser bom sinal. É só um regime, isso mesmo, ele pensou, não deve ser nada grave.

- Você está de regime?
- Não?
- Er...
- Sabe como é, eu não como bichinhos, só plantinhas.
- Er...
- Odeio que matem bichinhos. Não suporto.
- Er...
- Salada de alface ou agrião?