terça-feira, 12 de maio de 2009

A salada

- Que grandes tragédias galgam nossa pífia existência. Verde, vil, virulento. Sim, é este o grande empecilho que enfrento antes da grande pilhagem. Os talheres formalmente arranjados simetricamente. A falta de odor incomoda. Devo continuar? É prudente arriscar-me assim? Grandes ânsias e angustiantes sofrimentos hão por vir.
Sim, decido seguir em frente. Vegetais. Nada além de plantas. Por que tanta temeridão? Encho meu peito de esperanças e pensamentos reconfortantes. Pego o garfo e inicio minha penitência. Regorjizo, mas continuo impávido. O gosto verde em minha boca, a textura áspera descendo pela minha garganta. Horror! Horror! Não quero ir em frente, mas preciso. Provações cruéis permitem a visão da essência de nossos medos e assim conseqüentemente tornar-nos-emos mais fortes para agüentarmos provações ainda piores. Afinal, a vida não é um infinito ciclo de sofrimento e recompensas?
Sim, continuo. Continuo a investida contra a miniatura de selva. O relógio continua em sua dança, mas em ritmo cada vez mais lento. Desespero! Perco a razão. Quero sair! Mas não posso. Sinto-me acorrentado pelos grilhões impostos por forças além de meu controle. Utilizam de subterfúgios sobre minha saúde ou sobre suas qualidades gastronômicas. Sei que me enganam e ignoro seus argumentos. Sou pego apenas pela força, pela força moral e pela doce recompensa final. Deixo que percebam minha insatisfação com tal situação. Mas de nada adianta, não estão dispostos a ceder como tantas outras vezes já o fizeram. O que se passa em suas mentes nesses momentos nunca saberei.
Talvez seja um misto de prazer e de dever cumprido. Torturar seu primogênito com tais artifícies. E eu os considerava como grandes. Minha mão se move em direção a uma segunda tentativa. Meu estômago já se embrulha sabendo o que há por acontecer. Continuam impassíveis quanto a decisão de continuar tal angústia. Apenas uma coisa irá me salvar....

- Doaninho! Quer parar de enrolar e comer logo essa salada? Já disse que só irei servir a sobremesa quando terminar seu prato!
Lembranças da minha infância. Este texto é pra você mãe. Te amo.

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