sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

O Sorriso de Seu Corpo


Para quem não a conhecia, como eu, ela era séria. Imponente, semblante austero, toda de preto. Nunca sorria. Cuidava de tudo, tinha as coisas sob controle, chamava a responsabilidade. Não foi surpresa quando ela começou a dar as cartas de como as coisas seriam dali pra frente.


A noite começou calma, como ela, controlada, sem olhar para ninguém, não por falta de segurança infantil ou “charminho”. E sim porque ela era assim, como a noite, não sorria feito boba alegre, feito o dia. Não recebe a todos de braços abertos, nem te dá calor. Apenas te aceita, você que aprenda o que fazer com ela.


Ao mesmo tempo, os níveis se elevaram, etílico e volume, e todos os corpos começaram a exteriorizar sua graça (ou falta dela). Ela e a noite finalmente começaram a se mostrar, a mostrar o que tem de melhor. Nunca deixando de lado sua face de certo modo opressora, intimidadora. Ninguém se aventura pela noite e sabe o que vai encontrar. É ela quem decide. Se você vai enxergar onde tinha que virar ou parar.


Sempre gostei da noite, o dia é útil, a noite é divertida, interessante. Assim a admiro, observo, perco os olhos tentando descobrir onde ela começa e termina. Mas noite não liga pra ninguém, se move como e quando quer, amanhece quando lhe apetece ou quando o autoritário dia resolve aparecer.


Ela sorri. Não com os lábios, isso seria muito óbvio. Mas de alguma maneira ela sorri, consigo enxergar finalmente, ela não é séria, já faz tempo que ela está sorrindo, mas eu não percebia. Não está estampado no rosto como acontece com o sol num desenho infantil. Seu sorriso é complexo, aparece em fragmentos, se constrói em uma coreografia coordenada. Ela sorri com o corpo.


O semblante não parece mais austero quando se enxerga o todo, sua boca pode estar selada mas isso não a impede de falar e sorrir. Consigo ver finalmente que ela está feliz, que se diverte com tudo que acontece e principalmente que não está impassível, só dá bola para o que quer. Sim, ela sorri, pra quem quer.


Não bastasse o mistério, agora seu sorriso me encantava, me chamava, me fazia querer sorrir junto, na mesmo velocidade, com os mesmos descompassos, no mesmo lugar. O ritmo era completamente diferente, os olhos agora só enxergavam ela e o espaço que a contornava. O espaço que eu invejava. Coloquei um pé, e logo depois o outro, não fui expulso, o sorriso já não cabia no corpo, se alastrava pelas paredes e garrafas do bar.


Logo a mão, o peito, o cheiro e em alguns minutos os lábios selados começaram a cantar, sorrindo, junto com seu corpo todo. Louco de curiosidade, louco de whisky, louco, eu me aproximava cada vez mais. Até o ponto que me encaixei em seu sorriso, fazendo de conta que agora fazia parte de tudo aquilo, da austeridade, do mistério, do sorriso que se move.


A noite gostou de mim. Aquela noite, ela gostou de mim.

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