terça-feira, 18 de abril de 2017

Única noite livre na semana

Única noite livre da semana. Ú-NI-CA. Confessa, noite livre em casa. Porque noite livre na rua, com os amigos, indo aquele bar que você não queria tanto ir, mas foi assim mesmo porque, afinal, também não queria tanto não ir, a ponto de deixar de ir, aquele bar não conta como noite livre. Conta como o proverbial “ir zoológico dar pipoca aos macacos.” (Raul explica tudo tão bem!).

Única noite livre da semana. Quer dizer. Livre, livre, leve e solto, à toa, a noite não é. Para ser livre você precisa ignorar várias camadas de coisas que precisa fazer. Aquelas coisas importantes que poderiam mudar sua vida se você fosse fazer. Começar a estudar o Novo Código de Processo Civil, para trocaram o Código? Ou aquelas coisas que você deveria fazer, mas, pelamordedeus, hoje é a única noite livre da semana e você não vai usar para, sei lá, ir à academia correr na esteira, arrumar a gaveta da mesa de cabeceira. Sua cabeça é boa em esquecer coisas inconvenientes. Ainda bem. Noite livre, graças à memória seletiva.

Única noite livre da semana, finalmente. Já é quinta. Quase sexta. Sexta não é mais semana, nem livre, porque vai aparecer alguma coisa, sempre aparece. Sexta é um dia traiçoeiro. Complicado. Aparece amigo, aparece zoológico, aparecem aquelas coisas que você vai acreditando que gosta, mas dá uma preguiça de ir na hora. Aquelas coisas que podem ser até que legais. Mas nem sempre são. Igual concerto de música clássica. É bom se não tiver ninguém tossindo ou conversando ou balançando a perna nervosamente, fazendo aquela barulhinho chato com a cadeira. Nhic, nhic, nhic, nhic. Mas sempre tem. O oboé faz lá o barulho de oboé, a nota de oboé, o timbre de oboé. E a cadeira “nhic, nhic, nhic, nhic”. Dá vontade de falar todo gentil “Para de balançar essa de perna, meu senhor, porque eu preciso ouvir o oboé.” Mas não pode falar, porque atrapalha todo mundo. E fica chato para você. A vontade de falar com a pessoa passa. Vira vontade de matar a pessoa. Com um oboé, que agora já parou de tocar. Já está tocando o cello. A cadeira na mesma. A perna na mesma. Sexta-feira é um dia complicado. Traiçoeiro. Não dá para confiar.

Mas hoje é quinta-feira. Única noite livre da semana (já contei?! Ú-NI-CA.) E um monte de coisas boas para fazer. Tem livro para ler. Seriado para ver. Filme para assistir. Videogame para jogar. Tudo coisa boa. Só tem um problema. Tem muita coisa. Dá aquela angústia. Tem que decidir. E decidir não é fácil. Porque se faz uma coisa, na verdade, você deixa de fazer um monte de outras coisas. E dentro de cada coisa, tem um monte de subcoisas. Vai ver filme? No Netflix ou blu-ray? Qual filme?

Sei não, filme dá sono. Você já está com sono. Vai dormir. E aí, já sabe, a única noite livre da semana vira noite dormindo torto no sofá. Filme não. Demora muito. Melhor não. Jogo também não, porque deixa você agitado. Coisa de velho isso de “ficar agitado”. Igual gato naquele horário que gato corre pela casa sem explicação. Coisa de gato velho, deve ser. Você no GTA corre de carro, corre da polícia, corre dos outros que correm para pegar você. Se desligar o jogo vai continuar correndo. Como que dorme depois? Se dormir, corre no sonho. Melhor não. Livro? Sono. Melhor não. Vai de seriado. Mais fácil. Seriado é curtinho. Menos de uma hora. Pílula de diversão. Dá até para olhar um pouco do livro, se não tiver com sono. Ou ver dois capítulos do seriado. Pode ser.

Aí você vai ver o seriado. E, bem, esse não está legal. Não deu liga o episódio. Azar, hein? Justo na única noite livre da semana o capítulo do seriado é chato. Agora não dá mais para começar outra coisa. E você nem tem ânimo para ver outro capítulo do seriado, porque, se esse foi chato, o próximo também. Bate aquela tristeza. Porque você tinha um mundo de coisas para fazer e escolheu errado. Tinha filme. Tinha livro. Tinha GTA. Mas não, você resolveu ver o seriado e deu nisso. Até o bar era melhor que o seriado.


Ainda tenta consertar. Assiste aos últimos episódios do Porta-dos-Fundos. Mas nem ri, porque era a única noite livre da semana. E está desperdiçada. Mas a vida é assim. Uma única noite livre na semana. E você sempre escolha a coisa errada para fazer.

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