terça-feira, 16 de abril de 2013

A Dentista

Minha dentista se chama Patrícia. Paty. Imagino que seja com ipsilone, fica mais fino. Linda, Paty.

Há tempo queria conversar com ela. Fazer uma tentativa. Por que não? Mas não conseguia.

No consultório, eu estava sempre com a boca aberta, cheia de algodão. Ou com aquele maldito sugador pendurado. Também tem outra: no consultório, me sentia em terrível posição de inferioridade. Puxa, aquela mulher me esburaca a dentina, me torce os nervos, me raspa os tártaros. Aquela mulher, literalmente, me conhece por dentro. E o que sei dela? No máximo, que suas gengivas são rosadas e seus dentes reluzentes pastilhas brancas. No consultório não dava. Não mesmo.

Durante muito tempo, sonhei em encontrar Paty na noite. Nunca tive essa sorte. Aí, no fim de semana, fui para o Litoral. Águas Belas. Local com uma bela praia e não muito cheia e me hospedei na casa do meu amigo Gabriel, com a turma. Tudo bem, tudo legal.

Enfim, lá estava eu, em Águas Belas. Manhã de sábado. Decidi sair sozinho pela praia, os amigos ainda dormiam, tinham bebido demais na noite anterior. Fui, distraidão, a água do mar me penteando os cabelinhos da canela. Então a vi. Minha dentista. De biquíni! Nossa, que biquíni miudinho. Havia Patrícia por todos os lados, em volta daquele paninho mínimo.

A chance pela qual esperava chegara. Mas o que dizer para ela?

Tinha que ser algo especial. Algo que a interessasse. Ela agora se estendia de costas na cadeirinha de plástico. Por que não pensei antes no que falar? Estava cada vez mais perto. O que será que pode chamar a atenção dela? Faltavam poucos metros. O que a interessaria, sem erro? Ela virou a cabeça para o lado. Reconheceu-me. Sorriu. O sorriso me animou.

É agora, pensava. É agora.

Precisava decidir rápido. O que a interessaria? O quê?

– Oi – cumprimentei, ajoelhando-me ao seu lado.

O que falar? O que falar? O que falar?

– Oi – ela respondeu.

Um oi lindo. Muito bem pronunciado. Muito bem acentuado. Comecei a suar.

– Paty...

– Sim? – ela se apoiou nos cotovelos para me ouvir.

– Sabe, eu estava pensando, desde a última vez que nos encontramos...

– A última consulta?

– Isso. A última consulta.

– Que é que tem?

– Bom... – tomei a decisão ali, naquele instante. Uma ideia muito boa. Na verdade, uma ideia genial. – É que estava pensando nos pré-molares.

– Hein? – consegui surpreendê-la. Gol do Brasil.

– Os pré-molares – um assunto perfeito. Era certo que ela se interessava por isso.

– Os teus pré-molares? Algum problema com eles?

– Não. Os pré-molares em geral. Filosoficamente falando. É que, sabe, Paty – toquei no braço dela para gerar intimidade. – Estou impressionado com o poder dos pré-molares, toda aquela capacidade que eles têm de morder. Isso tem me deixado muito inquieto. Nem durmo mais à noite.

Paty me olhou espantada. Senti que tinha capturado a atenção dela. Estava no caminho certo. Resolvi sofisticar.

– E tem mais – acrescentei.

– Mais? – um pouco receosa.

– Os caninos.

– Os caninos?

– Os caninos. Eles rasgam maravilhosamente. Li em algum lugar que, no tempo em que éramos homens das cavernas, nossos caninos eram bem mais desenvolvidos. Será verdade?

– Pode ser... – Paty já estava sentada na ponta da cadeira, alerta, certamente embasbacada com meus conhecimentos odontológicos. Sim, senhor, os dentistas acham que são os únicos a saber sobre dentes e bocas em geral.

– Mas não existe nada que me fascine mais do que os sisos – prossegui, entusiasmado. – Veja, Paty: durante milênios tivemos sisos, mas nos últimos anos os dentistas os têm arrancado das bocas, para que os outros dentes não acavalem. É verdade isso ou não é? Diga: é verdade?

– Verdade, verdade – os olhos de Paty se arregalaram. Admiração pura, certamente.

– Pois aí o que começou a acontecer? Tu sabes? Diga: tu sabes?

– N-não...

– As crianças estão nascendo sem siso! – eu agora falava alto, empolgado com o sucesso do meu assunto. – Formidável! É a evolução das espécies! Darwin puro! É fantástico, Paty! – gritava. – Fantástico! Não acha fantástico, Paty?

Ela se levantou da cadeirinha. Levantei-me também. Limpei a areia dos joelhos.

– A-acho. Olha, vou ter que dar uma saída, não posso conversar agora.

– Mas, Paty, temos tanto a conversar. A periodontia, por exemplo. Adoro a periodontia, Paty – segurei no braço dela, tentando detê-la.

– Me larga!

– O mundo das gengivas, Paty! Quero falar sobre o mundo das gengivas!

– Sai! Sai!

Paty se livrou de mim num repelão. Foi-se, correndo, espalhando areia, fugindo como se eu fosse algum maníaco.

O que terá acontecido?

Minha conversa estava tão boa... Tentei tudo para agradá-la e ainda assim ela não reconheceu.

Oh, Deus, não há como entender as mulheres, realmente.

2 comentários:

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Talvez mais difícil do que entender uma mulher, é ser a pessoa "banguela" de assunto.