sábado, 24 de setembro de 2011

O marido perfeito

Norton era o marido perfeito. Passava o dia cobrindo a mulher Silvia de atenções. Comprava-lhe Sonhos de Valsa. Massageava-lhe os pés com Creme Nívea. Até colou aquele decalco no vidro do carro: “ Eu amo a minha esposa”.

Norton era também o colorado perfeito. Não perdia um jogo do Inter. Era sócio. Só usava cueca vermelha.

Havia apenas um problema que lhe perturbava a tranquilidade, e esse problema tinha pernas longas e macias, cabelos da cor da laranja do céu e pele levemente dourada pelo sol de Santa Catarina.

Clarissa. Era sua colega de escritório e, por algum motivo, passava o dia a tentá-lo. Fazia insinuações, enviava-lhe sorrisos de malícia, roçava-se nele quando passava por sua mesa e, ao cumprimentá-lo, pespegava-lhe um beijo na comissura dos lábios.

Norton ficava angustiado. Chegava a sonhar com ela. Mas não cogitava de trair sua esposa. Até porque as insinuações de Clarissa não passavam disso: insinuações. Eram só olhares oblíquos, sorrisos de lado, brincadeirinhas picantes. Norton jamais teria a ousadia de assediá-la.

Até o dia em que ela decidiu ser explícita. Estava mais linda do que nunca. Vestia jeans tão apertados que Norton deviam ter sido costurados em volta dela. E uma mini blusa que lhe deixava três centímetros de barriga de fora. Norton olhava para aquela faixa de barriga e sentia uma dor no peito. Ela se aproximava e com ela vinha um cheiro de melão maduro que fazia Norton ter vontade de chorar e chamar pela mãe. Ele até gemia:

– Mãe…

Para afugentar maus pensamentos, concentrava-se em Silvia, sua esposinha. Era como a chamava: “ minha esposinha”. Mas naquele dia não adiantou. Porque, naquele dia, Clarissa se aproximou da mesa dele, agachou-se ao seu lado e sussurrou:

– Quer jantar lá em casa na quarta?

Norton começou a tremer. O ar se lhe sumiu dos pulmões. Gaguejou:

– J… j… j… j…

Queria dizer jantar. Não conseguiu. Ela sorriu. Debruçou-se um pouco mais. Ele sentiu o cheiro quente dela. Lágrimas lhe vieram aos olhos.

– Te espero quarta – ciciou ela, e lhe deu uma mordiscada na orelha. Por Deus! Uma mordiscada!

Norton tremia. Clarissa passou o resto do dia olhando para ele e sorrindo. A cada sorriso, os dedos dos pés de Norton se encolhiam. Ele repetia, para si mesmo:

– Ai, mãe… ai, mãe…

Quando chegou em casa, só pensava no convite: quarta, jantar na casa dela… Foi aí que se flagrou: quarta era o dia do jogo do Inter! Puta que pariu, como poderia aceitar um convite daqueles para o dia do jogo do Inter??? Ainda mais que era a decisão da Libertadores! Quer dizer: mais um motivo para não trair sua esposinha. Isso. Decidido. Não trairia a esposinha.

Mesmo tendo tomado a resolução, Norton sonhou a noite inteira com Clarissa nua. Totalmente nua. Foi trabalhar resolvido a ignorá-la. Mas ela… ela… ela veio de minissaia! À vista daquelas pernas sem fim, Norton balbuciou, com uma voz que não parecia ser a dele:

– É de verdade? Aquele convite?

Ela, dengosa, chegando perto, muito perto, disse, apenas:

– Quarta-feira…

Ele miou:

– O Inter joga na quarta-feira.

– Quarta-feira…

Norton correu para o banheiro. Trancou-se lá dentro. Lavou o rosto. E pensou em sua esposinha.

– Ai, esposinha – gemeu. – Ai…

Norton passou mal durante os dias subsequentes. Não conseguia dormir. Nem decidir o que fazer.

Ele, conhecido na cidade como o marido perfeito, o colorado perfeito, ele que se orgulhava de seu matrimônio e de seu coloradismo, ele agora, por uma noite de prazer, sentia abalarem-se suas mais caras convicções.

Então, a quarta-feira chegou. Clarissa, mais linda do que as Cataratas do Iguaçu, dizia:

– Marido perfeito, colorado perfeito: é hoje.

À noite, Norton saiu de casa dizendo que ia ao jogo. De fato, sua intenção era essa. Porém, quando deu por si, estava em frente à casa dela. Pensou naquelas pernas. Em tocá-las. Em lambê-las. E salivou como um lobo.

Raciocinou: vai ser só hoje, só um dia e nunca mais! Vou continuar sendo o marido perfeito, o colorado perfeito, vou, vou!

Saiu correndo do carro. Nem fechou a porta. Subiu as escadas do edifício de dois em dois degraus.

A excitação tomava conta de seu corpo, o sangue latejava em suas frontes. Parou diante da porta do apartamento. Respirou fundo. Acionou a campainha. Norton ouviu o som de passos. Viu que alguém espiava pelo olho mágico. Pensou: será que ela está de baby-doll? A porta se abriu. Vestia abrigo. Usava rabo-de-cavalo. Norton piscou, um tantinho decepcionado. Ela olhou para ele, muito séria.

– Entra – disse, e se foi para dentro do apartamento.

Norton vacilou. Entrou. As horas seguintes foram as mais constrangedoras da sua vida. Clarissa lhe serviu uma pizza vulgar e guaraná diet. Mal falou durante o arremedo de jantar. Ele não conseguiu sequer aproximar-se dela. Era como se entre eles houvesse dois volantes e três zagueiros. Pior: Norton experimentou não sabia qual era o resultado do jogo. Apenas ouvia foguetes espocando. Seriam colorados? Ou, glup, gremistas? Não teve coragem de pedir para que ela ligasse o rádio ou a TV. Percebeu que nada ia acontecer. Disse que ia embora. Ela:

– Tá.

Norton foi se dirigindo para a porta. Ela o acompanhou, impaciente. Ele já ia saindo, mas resolveu descobrir o que, afinal, tinha acontecido naquele apartamento. Perguntou. E Clarissa, como se estivesse muito cansada:

– Francamente, estou decepcionada.

E ele, aflito:

– M-mas p-por quê???

Ela, irritada:

– Porque pensei que, enfim, tinha encontrado o marido perfeito, o colorado perfeito!

E bateu a porta, deixando Norton ali parado, querendo morrer.

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