sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Pedido eleitoral

- Dá pro senhor arrumar um emprego.

- Tenho essa lixa de unha aqui, ó. Faça a unha. Inclusive, dê uma limpadinha que ela está bem sujinha.

- Mas senhor...

- Tome esse adesivo pra você colocar no seu barracão também. Vai me ajudar a fazer propaganda. Preciso que divulguem o meu nome. Principalmente na periferia.

- Mas eu quero um...

- Acho que você está meio tenso, quase depressivo. Tenho esses remédios vencidos aqui. Podem te ajudar. Eu ganhei de um farmacêutico que patrocina a campanha. Ah, tenho umas amostras grátis aqui também, fica com você. São todos genéricos, tá?

- Ô dôtor, eu preciso é de um emprego.

- Pega essa camisa aqui. Tem uma foto minha nela. Não estou bonito? Olha que sorriso branco eu tenho, não é mesmo?

- Sim, claro...

- Brigadu. Só porque você me elogiou, leve essa cesta básica aqui. Ela sobrou do comício que fiz ontem. Leva pra sua casa que já garante um mês de comida lá.

- Dôtor...

- Fio, essa cesta básica é das boas. Tem doces, nozes, macarrão... Tem bolachas doces e salgadas pros seus dez filhos. Aí dá pra distrair os moleques enquanto você assiste o jogo de futebol.

- Mas é de empre...

- Fica com esses litros de leite aqui também. Estão quase azedando, já. Leva pro seu barracão e se achar melhor, divide com o pessoal do morro. Não esquece de dizer que fui eu que dei, hein? Senão eles não votam em mim. Leva logo esse leite antes que estraguem filho.

- É que...

- Não tá contente? Tudo bem, brasileiro é assim mesmo. Leva esses agasalhos, vai. Estão quase novos. Tá certo que tem uns rasgos aqui e ali, mas estão limpinhos. Fora que você não vai depender dessas campanhas do agasalho. Você tá vendo como tô te ajudando?

- Eu quero trab...

- Já sei o que você quer também. Como eu sou burro! Toma esses cinqüenta reais aqui. Você tem que se divertir também, pôxa! É um direito constitucional isso.

- Dôt...

- É verdade, cinqüentinha é pouco. Vou fazer uma vaquinha aqui com os meus assessores pra te dar mais uma graninha, o que acha?

- Mas...

- Eu sabia que você iria adorar. Pra não falar que só penso em dinheiro, pega esse cheque aqui. Eu iria doar pro Fome Zero, mas como eu sei que eles não iriam descontar, fica pra você. É uma doação que tô te fazendo, uma caridade e não quero nada em troca, só seu voto e da sua família, e dos seus amigos e todo mundo que você conhecer, viu? Viu como eu tô sendo bonzinho? Olha quanta coisa boa eu já te arrumei, tá vendo?

- Mas e o empreg...

- Tá, vai! Toma aí esse chaveiro. Coloca a chave do cadeado do seu barraco. Já faz mais uma propaganda. Que delícia é ajudar os pobres, isso me lava a alma.

- Mas e o meu emprego? Eu só quero trabalhar, dôtor.

- Emprego?

- É! Isso mesmo. Arranja um pra mim?

- Acho melhor fazer como eu, viu?

- Ahn?

- É! Se candidate.

Um comentário:

Unknown disse...

Adorei seus textos...continue sempre escrevendo coisas tão lindas...