“Como é, realmente, o Brasil?”, pergunta-me Richard, americano que uma só vez afundou os tornozelos pálidos na areia de Copacabana e, desde então, passou a interessar-se por tudo o que se relaciona com o Patropi de Ben Jor e Bündchen. O Brasil vive a desconcertá-lo, suspira.
Penso um pouco antes de responder. Como é, realmente, o Brasil?
Rick diz não saber, por exemplo, se o brasileiro é alegre ou agressivo.
Bem. Decerto que o brasileiro é povo alegre. O que não significa que não seja, também, violento. Curioso isso, porque o Brasil não é um país guerreiro. Os Estados Unidos, sim. Um soldado é olhado com admiração, nos Estados Unidos. As pessoas não deixam que um soldado entre numa fila e, nos restaurantes, não raro ele é dispensado de pagar a conta do jantar. Porque, afinal, os Estados Unidos estão sempre envolvidos em alguma guerra. O Brasil, quase nunca. Mesmo assim, o brasileiro mata, sobretudo outros brasileiros. Em um ano, morrem mais brasileiros assassinados do que todos os americanos mortos em mais de uma década de guerra no Vietnã.
É que é muito fácil arrumar uma arma de fogo no Brasil, conto a Rick, e ele balança a cabeça em sinal de compreensão e lembra que em vários Estados americanos as armas também são livres – no Oregon, você vê um pai com um nenê no colo e uma pistola na cintura. Mas aí quem balança a cabeça sou eu, só que em negativa, para contar que, não, não é o que ele está pensando, não existe essa liberdade de posse de armas no Brasil, só que as pessoas têm armas. O problema é a lei, observo. Não que as leis não sejam boas. São. A Constituição do Brasil é avançada e tudo mais. Mas as leis não são cumpridas. Quer dizer: são cumpridas, mas apenas por quem está dentro da lei. Os descumpridores da lei, quando apanhados e condenados, o que acontece é que a pena deles é muito branda. O que não quer dizer que as cadeias não estejam cheias. Estão. Prende-se bastante, no Brasil, só que muitos que são presos de manhã são soltos à tarde, nem vão para os presídios, e os que vão para os presídios às vezes cumprem penas leves para crimes pesados, embora vários nem tenham sido julgados ainda e continuem presos. Então, a condenação, no Brasil, é terrível e suave ao mesmo tempo, porque muitos pobres que são presos não têm condições de pagar uma defesa decente. Lembre-se, Rick: o Brasil é um país de pobres, mesmo que seja a oitava economia do mundo. Na verdade, o Brasil é rico e o povo é pobre, o Estado arrecada fortunas, mas está sempre quebrado, o que não significa que seja um Estado pequeno, ao contrário, é um Estado gigantesco, porém fraco, ele está em toda parte e se mete em tudo, sem de fato fazer nada, e assim as pessoas ficam esperando muito do Estado e o Estado até concede muito, só que não o que deveria conceder, como educação, segurança e saúde, que ele até concede, mas não como tinha de ser. Aliás, o nosso sistema de saúde é melhor do que o americano, ainda que o americano funcione e o brasileiro, não. Isto é, trata-se de um excelente sistema, pena que não tenha dado certo, como todo o resto, entende?
Richard me olha, piscando. E repete:
– Mas como é, realmente, o Brasil?
Fecho os olhos. Abro.
– Alegre – respondo, suspirando. – Pode dizer pra todo mundo que o Brasil é alegre.