sábado, 29 de setembro de 2012

Posso Entrar Na Sua Vida?

Marcelo não é um cara muito normal, mas também não chega a ser louco. Ele é do tipo de pessoa que funciona melhor à noite. Pra gente assim, não tem horário melhor do que a madrugada pra se comprar livros. Logo ao entrar na sua livraria 24 horas preferida (a única da cidade) ele se depara com uma mulher bem atraente. Não chega a ser uma Fernanda Lima, mas pelo menos é uma mulher de verdade, não uma brincadeira de mal gosto criada pelos meios de comunicação de massa para fazer os homens sofrerem. Depois de um bom tempo observando-a ele não se contem. Se aproxima lentamente dela e diz:

- Oi, tudo bom?
– Er … tudo …
– …

Marcelo nunca foi bom para fazer essas coisas. Pelo menos neste caso, ela se mostrava curiosa. Nem um pouco simpática, mas no mínimo, intrigada.

- Eu te conheço?
– Não. Mas eu queria te fazer uma pergunta …
– Uñ ? – (típica palavra de quem não quer dizer mais do que “Uñ”, se é que vocês me entendem).
– Posso entrar na sua vida?
– Hãn?! – (agora sim, uma expressão bem mais enfática).
– Po-posso entrar na sua vida?
– Como assim?

Um longo silêncio, seguido de um suspiro do nosso amigo Marcelo :

- É assim … Eu te vi logo que entrei aqui.
– Certo.
– Aí … você estava andando tranquilamente, enrolando a ponta do cabelo como quem enrola a ponta do cabelo com os dedos, bem tranqüila.
– Faz sentido …
– Magicamente, você parou … colocou a ponta do seu cabelo na boca, como quem coloca a ponta do cabelo … hmmm … na boca, e pegou um livro do P.G. Wodehouse …
– Obrigado, Jeev-
– Não, meu nome é Marcelo.
– O nome do livro era “Obrigado, Jeeves”!
– Ah sim … eu sei.

Ela pareceu não ter gostado muito da resposta:

- Grr … Bom, posso ir embora ou tem mais ?
– Você não me respondeu ainda …
– O quê ?
– Se eu posso entrar na sua vida.
– Como assim? Você chega aqui, fala que me viu andando e comendo meu próprio cabelo, como quem come o próprio cabelo (!!) e aí então faz uma pergunta absurda dessas! Qual é o ponto?!
– Bom … (longa pausa) … se essa pergunta é tão absurda assim, talvez seja melhor VOCÊ não entrar na MINHA vida. Muito prazer. Tchau!

Esta, sem dúvida, foi a frase dita por Marcelo da forma mais tranqüila por toda a conversa. Sem pressa, ele se virou, se afastou e começou a folhear as revistas de arquitetura , o que apenas fingia fazer anteriormente.

Alguns momentos depois a moça ainda intrigada, que agora disfarçava folhear revistas de Tunning, decidiu se aproximar e disse:

- Claudecir …

Ele, sem tirar os olhos sobre um artigo muito interessante sobre sofás “chaise-longs” retrucou :

- É Marcelo.
– Eu estou falando que o MEU nome é CLAUDECIR!
– HEIM?!
– Ah, parou de ler, né? Então … Marisa, meu nome é Marisa.
– Po-podia ter me pedido pra parar de ler … Estou em estado de choque, agora!
– (risos)
– Certo … vou tentar apagar a figura do transexual mais atraente que conheci nos últimos tempos e voltar a pensar em você apenas como uma mulher.
– Que bom!
– E então … Quer me falar algo, Marisa?
– Como assim ?
– Como assim o que ?
– Entrar na minha vida? O que você quis dizer com isso?
– O conceito do verbo “entrar” é relativamente compreensível, principalmente para pessoas com o QI mediano. Muitas vezes na Matemática temos dois grup-
– Opa, querido! Eu sei o que significa “entrar”.
– Viu?! Agora eu sei que você tem pelo menos o QI mediano da população. Parabéns!

Marisa fez aquela cara que aparentemente diz “bobinho!” mas que na verdade significa “você tá pensando que eu sou idiota, seu energúmeno!”, e depois perguntou:

- Sério! O que você queria quando me fez a pergunta?
– Por que vocês mulheres acham que as coisas significam mais do que realmente significam? “Que horas são?” não significa “Achei seu relógio interessante, mas essa aparência retrô da alça de vinil pode mostrar que inconscientemente sua infância foi marcada por um trauma de rejeição, personificado aqui, com uma das características mais marcantes do culpado pela sua rejeição, seu pai, reconhecido pela pontualidade.” : “Que horas são?” É apenas uma pergunta que tenta esclarecer a hora certa!

Sem se exaltar, mas no limite da provocação, em um tom em que se ambos estivessem na quinta-série a turminha gritaria “YEAAAAAAHHH!!!”, Marcelo respondeu, e continuou:

- Enfim, quis dizer exatamente o que te perguntei.
– Tá! Mas … Você não poderia ter me dito … Er …
– “Você vem sempre aqui?”
– Não … essa é muito batida, você não falaria isso …
– “Ei, Pequena. Posso te pagar um drink?”
– Ótima frase. Pena que 50 anos atrasada. Acho que não … sei lá! Você não poderia ter vindo com qualquer xavequinho minimamente aceitável?
– E o que esse xavequinho significaria “na misteriosa língua das mulheres”?
– “Oi, posso entrar em você?”

Só para esclarecer, amigo, quem disse essa frase foi ela. O papo está meio longo sempre é bom ajudá-lo com essas intervenções. Ele respondeu, um pouco desconcertado de início:

- C-Certo! Não que isso seja uma grande mentir-
– Ei, seu safado! – disse Marisa, dando aquele tapinha no ombro de Marcelo, daqueles que querem dizer “Preciso te recriminar perante a sociedade, mas você mandou bem nessa. Keep moving!”

- O fato é que antes de entrar em você – ao dizer isso, ele rapidamente protegeu o ombro – eu quero saber se você vale a pena. Ou seja : antes do ato físico, o mínimo de afinidade intelectual.
– Não seja cínico! Se eu te atacasse aqui e te puxasse pra transar no banheiro você iria sem pestanejar …
– Olha … num vou mentir pra senhor- outro tapa daqueles no ombro do nosso protagonista – mas, como você realmente me pareceu interessante, talvez algo além dessa divertida forma de entretenimento sexual pode ser experimentado.
– E tudo isso pelo jeito que eu coloquei o cabelo entre os lábios como qu-
– Quem coloca os cabelos entre os lábios! Isso!
– Só por isso?!
– Precisa mais do que isso?!
– Vocês homens são completamente loucos!
Marcelo fingindo uma conversa: – “Que horas são?” “Meia-noite e meia!”. Desculpa, nada de louco nessa conversa.
– O que fazemos então … ?
– Olha, o banheiro está aqui do lado … Andei reconsiderando minhas opiniões e como não quero parecer intransigente, acho, já que é sua vontade, que podemos trans-

Outro tapa, seguido de : – BESTA!

- São seus olhos …
– Vamos lá então … Como eu faço pra deixar você entrar na minha vida?
– Pode começar me dando seu telefone.
– Ok! O número é … – (para preservar a privacidade de nossa querida personagem, não transcreverei aqui o número, mas garanto, é fácil de se decorar).
– Muito bem! Está anotado. Tenho que ir agora, mas te ligo amanhã.
– Então tá.
– Ah, caso você não saiba: quando eu te ligar, você atende, ok? É assim que funciona.

Mais um tapa. Ele continua :

- Olha, acabaram de liberar o banheiro, tem certeza qu-
Desta vez ela só ameaçou o tapa. Marcelo, muito sério, fazia a pose em “T” do golpe final em Karate Kid.
– Vai embora logo, e vê se liga mesmo!
– Sim senhora!

E assim, começou a história do relacionamento entre os personagens desta crônica. Se deu certo ou não, nem eu sei ainda. Só posso dizer que mesmo sem que ambos soubessem, Marcelo já tinha entrado na vida de Marisa. E ninguém pode falar que ele não pediu.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

O velho Buk

Lembro bem quando me caiu nas mãos o meu primeiro Bukowski.
Cartas na Rua.
Li aquilo e fiquei pensando: então alguém escreve assim! Alguém que faz a história escorrer página abaixo e faz com que ela penetre através dos poros dos dedos do leitor e logo a história já se lhe infiltra nas veias e lhe toma o corpo e a mente e o leitor é tomado, como se lhe atacasse a Bolha Assassina.
Ah, o Velho Buk não era como aqueles estilistas nacionais, chatos para parecer profundos.
Como há desses por aqui, Deus! No colégio, uma vez eles me vieram com O Tronco do Ipê.
Cara, foi uma dor ler O Tronco do Ipê.
Todas aquelas mocinhas que enrubesciam ao ver os rapagões cofiando os bigodes.
Passei a odiar personagens que cofiam.
Um personagem simplesmente não pode cofiar.
Sobre o que se trata O Tronco do Ipê? Quem é mesmo o maldito autor de O Tronco do Ipê? Não faço idéia.
Só sei que nunca mais quero ler O Tronco do Ipê, nem nada que seja remotamente parecido.
Mas o Velho Buk não tinha nada disso.
O Velho Buk escrevia sobre pessoas de verdade, que não falam por mesóclise.
Bem.
Tempos depois, alguém me disse, acho até que foi o meu amigo Sérgio Lüdtke: – Todas as pessoas precisam ler o John Fante! Uau! Era importante aquilo.
Fui ler o John Fante.
Pergunte ao Pó.
Mal abri o livro, e com quem deparo na apresentação? Ele: o Velho Buk.
E o Velho Buk dizia ali, sobre o John Fante, o que eu dizia sobre o Velho Buk: que John Fante escrevia com as entranhas.
Charles Bukowski confessou ter se apaixonado de tal forma pelo personagem de Fante, um candidato a escritor chamado Arturo Bandini, que, certo dia, ao discutir com uma de suas ex-mulheres, bradou: – Não me trate assim! Eu sou Arturo Bandini! Eu sou Arturo Bandini! Eu sou Arturo Bandini.
Gostaria de poder dizer isso.
Porque Arturo Bandini era um homem de verdade, que cedia aos seus desejos, sem ceder a sua integridade.
E é disso que o mundo precisa: de pessoas que saibam aproveitar a vida sem se aproveitar das outras pessoas.