sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Ah é?

- É. Tem gente que não tem simancol mesmo?
- Quem amor?
- O pessoal lá do trabalho.
- Mas o que aconteceu?
- Sabe o Leivinha?
- Leivinha?
- É, o Leivinha.
- Que Leivinha amor?
- O Leivinha, aquele que no churrasco do Ramos dormiu com mão na pança, embaixo do sol.
- Ah! Sei, sei.
- Então, ele foi transferido há pouco tempo para o meu departamento. Graças a ele, não poderemos viajar no fim do ano.
- Mas como assim? Não acredito! Você diz no Natal e Ano Novo?
- Exato.
- Você está louco que eu não vou pra praia. Tô até fazendo dieta pra vestir o biquininho.
- Pois pode voltar a comer seu meio-kilo de bolinho de chuva diário. O lugar mais longe que iremos nesse final de ano é Diadema.
- Não acredito nisso. Isso é um ultraje, uma afronta, um obséquio. Vou matar esse Leivinha, acabar com a raça dele, fazer ele pegar leptospirose. Mas o que ele fez mesmo?
- Então, o Pit Bull, nosso chefe de departamento, veio nos perguntar se conseguiríamos terminar todos os relatórios relativos a esse ano antes do Natal, pra ver se daria para emendarmos os feriados.
- Entendi.
- Ele me perguntou e prontamente respondi que tinha certeza que ficariam.
- E ficariam?
- Não tenho idéia. Mas provável que não.
- Imaginei.
- Mas isso não importa, o negócio é que logo depois de responder, passei a bola pro Leivinha, se ele confirmasse o que eu disse, no dia 23 estaríamos queimando o chão.
- Queimando o chão?
- É amor, indo embora.
- Eu sei o que significa, só não sabia que alguém ainda falava isso.
- Bem, que seja. Pra ajudar a besta do Leivinha, quando perguntei pra ele sobre a os relatórios, já preparei o terreno. Perguntei daquele jeito que pela entonação você já saca a resposta. Sabe?
- Não.
- Daquele em que já se sabe o que se quer dizer sem precisar continuar.
- Bem, que seja, como foi?
- Falei pra ele “eu acho que dá pra terminar Leivinha, será?”
- E?
- E ele falou que não tinha certeza, que seria difícil.
- E daí?
- E daí que o Pit Bull já encerrou o assunto. Sem emenda.
- Mas você mesmo me disse que provavelmente não daria. Que culpa tem o Leivinha?
- Tem culpa em não ter entendido minha mensagem.
- Que era?
- Ele teria que ter respondido “é lógico”.
- Mas como ele ia saber?
- É óbvio. Se eu pergunto “Será?” a resposta automática é “É lógico”.
- Como assim óbvio? Nunca soube disso.
- Como não? Vivo falando essas coisas.
- Nunca ouvi.
- Você que não presta atenção.
- Me dê algum exemplo então.
- Fácil, é só lembrar da nossa briga do réveillon do ano passado.
- Nem me fala do ano passado.
- Não vou entrar no mérito da discussão, mas lembra como começou?
- Lembro.
- E como foi?
- Eu falei pra você que minha mãe ia ficar sozinha lá na casa de Caçapava no ano novo e você respondeu com aquele seu jeitinho “Ah é?”.
- Exato. Esse jeitinho. Porquê você ficou brava com um simples “Ah é?”
- Porquê te conheço seu vigarista. Estava querendo dizer “Ah é? Fooooooda-se!”
- Então.
- Então o que? Achava que eu não ia ficar brava? É minha mãe.
- Não! Tô falando sobre o jeito de falar. Você percebeu o meu tom sem eu falar, o Leivinha não.
- Ah!Agora entendi.
- Por isso nós vamos ter que ficar pra passagem do ano da Paulista mesmo.
- Vamos nada!
- Como assim?
- Você acha que depois do que passei no réveillon passado vou ficar mofando aqui em São Paulo? Aqui ó! Vou pra praia me esticar o dia inteiro lá no Gonzaga pra voltar preta.
- Mas amor, eu acabei de te falar que o escritório não vai emendar.
- Emenda por conta própria, não quero nem saber.
- Não posso, o último cara que fez isso com o Pit, perdeu o emprego. Encontrei o sujeito uns dois meses atrás, quase bati na carroça de papelão dele. Se eu emendar vou ter o mesmo futuro.
- Ah é?