domingo, 17 de junho de 2012

Salada de Frutas

Aquele parecia ser apenas mais um almoço comum. Eu estava na fila do buffet de um simpático restaurante por quilo próximo ao meu trabalho. Distraído, preocupado em nada além do que escolher a comida. Só isso.

Repentinamente algo me chamou a atenção para a pessoa que estava na minha frente (o buffet era daqueles que podem ser servidos pelos dois lados, ou seja, você observa quem está do outro lado como se fosse em um espelho).

Nada demais. Era só uma menina. Bela menina, por sinal. Acompanhada pela (suponho eu) irmã, e um carinhoso avô ou tio, que não tirava sua mão direita do seu ombro.

Por instantes olhei-a fixamente. Deveria ter uns 14, no máximo, 15 anos de idade. Corpo de mulher insinuado em uma criança. Inocente, apenas uma estudante escolhendo o que comer.

Logo voltei a me preocupar com meu almoço e esqueci a guria. Sentei e comecei a conversar com meus amigos enquanto comia.

Novamente vi minha atenção sendo chamada para a menina do buffet, agora umas 2 mesas na minha frente. Seu avô (ela havia o chamado assim) não comia. Apenas observava a neta com um carinho maior do que o comum. Bonito de se ver. Lindo, na verdade.

Fui me distanciando da conversa na mesa e voltei a olhar fixamente para a garota. Algo nela me intrigava profundamente. Talvez, fosse seu jeito de falar com a irmã. Ou sua atenção diferenciada ao segurar a taça em que comia a salada de frutas. Não sei.

Percebi que ela não parecia ter aquela preocupação exacerbada e precoce em se tornar mulher. Era uma menina. Bonita. E sabia disso. Mas de alguma forma, se mostrava isolada das preocupações mesquinhas que envolvem os adultos, hoje em dia.

De vez em quando eu tentava disfarçar minha consternação, esquivando meu olhar da sua irmã mais velha (acho eu …), que já sabia me intimidar com um simples olhar de mulher sugerido.

Mais uma vez olhei para a bela menina. E ela, sem nunca se preocupar com o meu olhar, continuava a comer a sua salada de frutas. Seus olhos eram negros. Sua íris era tão escura que se fundia com a pupila. Olhar parado. Forte.

Numa de suas últimas colheradas, uma das frutas despencou de sua colher e caiu na mesa. Ela não percebeu. Seu avô, rapidamente, limpou a mesa e a afagou como se dissesse: “Tudo bem, minha querida, não se preocupe”.

Ela sorriu ternamente e não olhou para ele. Nunca olhava … Ela era cega.

Naquele momento senti uma pontada dentro do peito … É claro que ela era cega! Como eu não tinha percebido isso antes?! Só alguém que não vê o mundo que estamos vivendo para conseguir comer uma salada de frutas com aquela dignidade.

Só uma menina que nunca vira um sorriso dissimulado de mulher, para agradecer seu avô de forma tão simples e franca. Um sorriso sincero como eu nunca tinha visto.

Um sorriso que me fez sentir vergonha do mundo que estamos. Talvez fosse melhor ela não ver o mundo em que estamos. Pelo menos grande parte desse mundo.

Ela era cega, mas naquele instante, tinha toda certeza que os verdadeiros deficientes do restaurante éramos nós. Cheios de imagens distorcidas da realidade.

Eu queria falar com ela. Queria talvez, ser presenteado por um sorriso daqueles. Ou no mínimo, ter certeza de que ela era real, como uma prova viva de que nem tudo está perdido.

Mas não fiz nada disso, é claro. Nós podemos ver, mas temos medo deixar que os outros nos vejam verdadeiramente. O que achariam de mim, se eu dirigisse qualquer ação para aquela bela guria?

Fui embora.

Triste por não poder agradecê-la. Mas feliz, ao menos, por ter visto uma mulher (ainda que insinuada), dona de um sorriso tão cristalino.

Talvez nem tudo ainda esteja perdido …