sábado, 24 de janeiro de 2009

Desregrado


Terei que desaprender. Ou aprender ao contrário. Algo como o gato do João Grilo do Auto da Compadecida, que vendeu um gato que "descome" dinheiro.

Depois do banimento do Gerúndio do Distrito Federal, eis que o Governo Brasileiro ratificou a reforma ortográfica, para azar de muitos.

Confesso que estou meio confuso com a coisa toda. O Trema fará companhia ao Gerúndio sabe-se lá onde. Provavelmente na Alemanha.

Já que tranqüilo não tem mais trema, fico "trankilo". O Português foi colocado no likificador. E os meus ideais perderam-se nas ideias, e não mais idéias, dos que quiseram a tal reforma. Um ato nada heroico contra as paroxítonas que terminam em ditongos.

Inclusive, logo nem mais saberão o que é ditongo, tritongo e hiato.

Caso eu estivesse na reunião que decidiu tais reformas, diria:

- Pára tudo!

Ao que responderiam:

- Não! O correto é para tudo.

Para tudo o quê? A frase, sem o acento, fica sem sentido para quem lê, pois para quem fala está tudo bem, tudo normal.

Pôxa, convenhamos, há uma crassa diferença entre um e outro para. O coitado do pára-brisa não vai mais parar nada. Ele tem que parar e não ser algo para brisa. A brisa precisa ser parada e não ganhar algo. Daqui a pouco a brisa vai querer presente de Natal.

E os acentos? Para onde é que vão os acentos exilados? Será que eles ficarão no limbo eterno junto com o gerúndio que foi deportado pelo governador do Distrito Federal?

Gente, os voos já são com atrasos, agora serão sem acentos também?

Como tirar a acentuação da feiura? Há feiuras que são acentuadíssimas.

O que era pólo, agora pode ser frango em espanhol: pollo.

Agora, pior de tudo é como algumas frases podem ficar. Por exemplo, até o ano passado você, ao ser chamado por alguém e não podendo atender no momento, diria: "péraí". Agora, com as regras, os acentos caem, e, a mesma palavra, fica: "perai". Lendo, dando enfoque na letra ‘a’, não quer dizer nada. Porém, uma segunda leitura, passa a impressão de se oferecer a fruta pera, que teve o seu acento podado também.

Eu nunca mais serei o mesmo sem os acentos, sem os hífens e, principalmente, sem os tremas.

Agora, tanta coisa pra reformar como o Código Penal, a estrutura política do país, a casa da Dinda, a casa da mãe Joana, vão reformar justamente a língua portuguesa?

Agora, no RAIO dos ‘porques’ ninguém mexe. Por que será?

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

O Sorriso de Seu Corpo


Para quem não a conhecia, como eu, ela era séria. Imponente, semblante austero, toda de preto. Nunca sorria. Cuidava de tudo, tinha as coisas sob controle, chamava a responsabilidade. Não foi surpresa quando ela começou a dar as cartas de como as coisas seriam dali pra frente.


A noite começou calma, como ela, controlada, sem olhar para ninguém, não por falta de segurança infantil ou “charminho”. E sim porque ela era assim, como a noite, não sorria feito boba alegre, feito o dia. Não recebe a todos de braços abertos, nem te dá calor. Apenas te aceita, você que aprenda o que fazer com ela.


Ao mesmo tempo, os níveis se elevaram, etílico e volume, e todos os corpos começaram a exteriorizar sua graça (ou falta dela). Ela e a noite finalmente começaram a se mostrar, a mostrar o que tem de melhor. Nunca deixando de lado sua face de certo modo opressora, intimidadora. Ninguém se aventura pela noite e sabe o que vai encontrar. É ela quem decide. Se você vai enxergar onde tinha que virar ou parar.


Sempre gostei da noite, o dia é útil, a noite é divertida, interessante. Assim a admiro, observo, perco os olhos tentando descobrir onde ela começa e termina. Mas noite não liga pra ninguém, se move como e quando quer, amanhece quando lhe apetece ou quando o autoritário dia resolve aparecer.


Ela sorri. Não com os lábios, isso seria muito óbvio. Mas de alguma maneira ela sorri, consigo enxergar finalmente, ela não é séria, já faz tempo que ela está sorrindo, mas eu não percebia. Não está estampado no rosto como acontece com o sol num desenho infantil. Seu sorriso é complexo, aparece em fragmentos, se constrói em uma coreografia coordenada. Ela sorri com o corpo.


O semblante não parece mais austero quando se enxerga o todo, sua boca pode estar selada mas isso não a impede de falar e sorrir. Consigo ver finalmente que ela está feliz, que se diverte com tudo que acontece e principalmente que não está impassível, só dá bola para o que quer. Sim, ela sorri, pra quem quer.


Não bastasse o mistério, agora seu sorriso me encantava, me chamava, me fazia querer sorrir junto, na mesmo velocidade, com os mesmos descompassos, no mesmo lugar. O ritmo era completamente diferente, os olhos agora só enxergavam ela e o espaço que a contornava. O espaço que eu invejava. Coloquei um pé, e logo depois o outro, não fui expulso, o sorriso já não cabia no corpo, se alastrava pelas paredes e garrafas do bar.


Logo a mão, o peito, o cheiro e em alguns minutos os lábios selados começaram a cantar, sorrindo, junto com seu corpo todo. Louco de curiosidade, louco de whisky, louco, eu me aproximava cada vez mais. Até o ponto que me encaixei em seu sorriso, fazendo de conta que agora fazia parte de tudo aquilo, da austeridade, do mistério, do sorriso que se move.


A noite gostou de mim. Aquela noite, ela gostou de mim.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Como dizer não?

Nesse joguinho que os homens jogam com as mulheres todos os dias, as regras mudam todos os dias. Movimentos que um dia foram impensáveis se tornam procedimento padrão, tacadas de gênio se transformam em aquecimento. Não é a toa que o jogo é tão complicado, decorar um imenso manual de instruções em transformação permanente não é fácil.
Uma das regras relativamente novas, está relacionada ao primeiro movimento. Antes, como no xadrez, onde as peças brancas sempre começam, era dos homens a responsabilidade de iniciar o jogo oficialmente, por mais que de certa maneira os “adversários” já estivessem se estudando através de posições, olhares e leves contatos. O homem, da maneira que lhe fosse mais conveniente, fazia o primeiro contato, e daí pra frente começava a partida.
Numa analogia besta, em que um sim significava vitória e o não derrota, o homem era especializado apenas na técnica de ouvir a resposta, cabia a mulher falar. Positiva ou negativa, homens ao redor do mundo aprenderam (melhor ou pior) a decifrar o veredicto de suas pretendidas, enquanto as meninas se viravam para arranjar desculpas quando queriam encerrar a partida.
Pois bem, voltando as regras novas, hoje a história de que o homem sempre dá o primeiro movimento é passado. Ambos os lados estão livres para iniciar o jogo ou esperar pelo movimento do adversário. Vai da preferência, humor ou clima de cada um. Meninas mais atiradas não precisam mais esperar garotos tímidos, podem fazer “a parte deles” e viabilizar algo que nem depois de cem anos aconteceria. Os homens por outro lado podem brincar de ser desejados, fazer charme e provocar a mulher até que ela faça alguma coisa.
Não sou contra mudanças que deixem o jogo mais interessante, porém até nos adaptarmos às novas regras, as partidas podem ficar um tanto turbulentas. Com a mudança, homens estão aprendendo a dizer e mulheres a escutar, e por muitas vezes percebemos que estamos longe de dominar essas novas técnicas. Foi duro o suficiente aprender a lidar com os “nãos”, mas conseguimos. Agora temos que aprender a dizer, e se tem uma coisa para que não fomos programados, foi para recusar mulher.
O caso aqui não tem nada a ver com querermos pegar todas, e sim por termos vivido por anos batalhando por “sims” e de repente temos a oportunidade de decidirmos nós mesmos. Como se controlássemos a resposta das mulheres. O reflexo é o “sim”. Se vencemos nossos reflexos (ou seja, estamos sóbrios o suficiente), ficamos sem jeito em como dizer o “não”. Não queremos ser rudes, grossos, metidos, apenas queremos mostrar que não estamos interessados, mas nem sempre a mensagem é bem recebida. Afinal, as mulheres também ainda estão aprendendo a ouvir. Assim como nosso reflexo é dizer sim, o delas é de acreditar que ainda mandam na situação.
Como isso se resolverá eu não sei, mas entendo muito mais as mulheres hoje em dia, e prometo fazer tudo que for possível para salvá-las de homens inconvenientes, que se recusam a aceitar que o jogo acabou, impedindo qualquer outra partida mais interessante.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

After-Taste


É muito difícil falar o que eu mais gosto em uma mulher. Afinal a obra completa é perfeita. Mas sempre tem algumas coisas que te encantam mais. A delicadeza, os trejeitos, a pele perfeita. Tudo aquilo que nós homens não temos nunca. Mas uma das coisas que mais gosto de uma mulher é o seu after-taste.


Mulheres comuns não tem after-taste, as ruins deixam um gosto amargo, como aquele que se sente apos uma balada cheia de cigarro e whisky. Mas as boas não, elas deixam um rastro de marcas, sabores, cheiros, que prolongam a experiência. Nossos sentidos continuam estimulados por horas, dias, anos.


Por mais que nos deparemos com inúmeras mulheres bonitas na vida, não são todas que ficam gravadas na sua memória. Estas, deixam marcas, patenteiam posições, sorrisos, rostos ao dormir, de modo que não conseguiremos desligar essas imagens de suas donas. Se conseguirmos.


Se tem mulheres que abrem a boca só para estragar seus rostos e corpos bonitos, outras fazem exatamente o contrário. Complementam com palavras, ruídos e gemidos o que nossos olhos contemplam. Isso não está diretamente relacionado com inteligência, por mais que seja igualmente afrodisíaco. Tem a ver com sintonia, com dizer as coisas certas, com o jeito de pronunciar algo sem graça e ainda assim provocar eco em nossas cabeças.


O contato que temos com a mulher é das coisas mais esperadas. É a última coisa a que temos acesso total. Desde a primeira vez que esbarramos um braço “acidentalmente” até o momento em que ela puxa os cabelos da parte de trás de sua cabeça passionalmente. Aqui o que mais me encanta é a iniciativa, a intenção em se manter perto, em mostrar que está aproveitando, ou que não quer que você pare de fazer seja lá o que estiver fazendo.


Indiscutivelmente, cada mulher tem um sabor. A mistura de seus cremes, a bala que gosta, a bebida que toma, sua pele, sua saliva. Esse coquetel fantástico constrói a coisa mais fantástica que qualquer homem pode provar na vida. Haja paladar para apreciar todas as notas e sutilezas. O gosto permanece grudado no céu da boca, fazendo com que seus dias sejam muito mais saborosos.


Por último, e na minha opinião, o mais importante. O cheiro. A fragrância de uma mulher está muito ligada ao seu sabor. Porém, diferente do sentido que seduz a língua, tem a capacidade de permanecer para sempre em nós com facilidade. O cheiro de uma mulher impregna nosso pescoço, nossa roupa de cama, nosso carro. Nos faz acordar mais feliz quando a primeira coisa que sentimos ao acordar, antes mesmo de ver a luz do sol, é sentir seu cheiro e lembrar do que passou. Como after-taste, nada mais forte que o cheiro. Vira e mexe sinto cheiros que me levam para uma década atrás, e me faz sentir exatamente como estava, como se fosse um sonho, que consegue fazer você reviver algo, mesmo sendo uma pessoa completamente diferente.