- Ah Gilmar ela até que é legal, mas não sei.
- Não sabe o que Deco?
- Sei lá, ela tem essas coisas sabe?
- Sei.
- Sabe?
- Não! Não sei.
- Então por que falou que sabe?
- Pra dar continuidade ao papo Deco. Fala logo.
- Então. Ela tem dessas coisas. Tipo falar.
- Nossa! Que estranho! Ela fala mesmo? Com a boca?
- To falando sério cara.
- O que ela fala que é estranho?
- Ela fala complicado.
- Como assim complicado? Ela é fanha?
- Não, el…
- Tem língua presa?
- Não, ela f…
- Fala na lingua do “pê”?
- NÃO! Dá pra deixar eu falar?
- OK! Só estou tentando ajudar.
- Ela fala umas palavras que eu não entendo.
- Como assim não entende?
- Não entendo. Não sei o que ela quer dizer.
- Ela se expressa mal você diz?
- Não. Eu não tenho idéia de que cargas d’água as palavras querem dizer!
- Ahhh…. entendi. Ela fala difícil. Tem um vocabulário rebuscado.
- Sei lá onde ela foi buscar Gilmar, só sei que não entendo.
- Mas que tipo de palavra ela já falou que você não entendeu?
- Um monte.
- Fala uma. Dá um exemplo.
- Ok. Ontem mesmo ela falou que era criteriosa.
- E daí?
- Como assim e daí?
- Que palavra você não entendeu?
- Oras bolas, “criteriosa” é claro.
- Você não sabe o que significa “criteriosa”?
- Não é assim que eu não sei. Sei mais ou menos.
- E o que é? Mais ou menos…
- Sei que tem alguma coisa a ver com religião, mas isso não vem ao caso.
- ….
- O negócio não é esse Gilmar. Não importa as palavras que não sei. E sim como vou fingir que sei.
- Mas você disfarça bem pelo que diz.
- Eu também achava, mas ontem no telefone ela me disse que eu era “prolixo”.
- E daí?
- E daí que tive que desligar o telefone.
- Na cara dela?
- É.
- Mas por que?
- O que eu ia fazer? Não sabia se agradecia, discordava ou a mandava pro inferno. Não ia fazer papel de bobo né.
- Ah lógico. Disso você se safou.
- Sim mas não é sempre que vou ter saídas inteligentes como essa. Como resolvo isso?
- Você já tentou dar uma lida no dicionário?
- Já, mas nunca consigo passar da letra “B”.
- Daí fica difícil.
- Você também acha então? Ufa. Já achei que só eu achava difícil ler todas aqueles “babilônicos” e “babuínos”.
- Deco, não tem jeito, ou você aprende ou vai ficar sempre boiando.
- Tem que ter uma saída. Não aguento mais ouvir ela falando que vai “contextualizar” e eu morrendo de medo de levar uma tapa.
- O que você pode tentar é, sempre que não souber uma palavra responda com “Hummm”.
- “Hummm”?
- É. “Hummm”.
- Ahhhh, Hummm.
- Isso. Entendeu?
- Não.
- Pô Deco. Colabora. “Hummm” como em, “Hummm, interessante.”
- Ahhhh, esse “Hummm”.
- Isso.
- Hummm. É uma boa. Assim não me comprometo e também não fico sem resposta.
- Exato. Assim acho que você estará resguardado.
- Hummm.
- Aê, aprendeu rápido.
- É, eu sou assim.
- Problema resolvido então.
- Acho que sim.
- Por que acha?
- Agora fiquei preocupado.
- Acha que não vai dar certo?
- Acho que vai sim, mas eu não vou estar enganando ela?
- Não exatamente. Só um pouquinho.
- Sei lá. Fico com dó. Uma menina tão frágil, doente.
- Doente? Mas ela aparenta ser tão saudável.
- Eu também achava. Até esses dias quando ela me contou sobre o problema dela.
- E o que ela tem?
- Ela é Eclética.