sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Carta ao Senador


Caro Senador Sibá Machado (PT-AC),
Andei pesquisando algo sobre sua legislatura e sobre Vossa Excelência. Confesso que me impressionei pela sua história. Não por querer ser agricultor ou líder sindical, mas vi que sua trajetória foi sofrida, como de qualquer brasileiro.

Porém (sempre há um porém na vida, já percebeu senador?), determinados fatos não podem passar despercebidos.

Sou um brasileiro chato. Muito chato, senador. E, como todo chato, gosto de pesquisar. Detesto ser passado pra trás. Detesto que me passem a perna por qualquer motivo que seja.

Li no seu site pessoal, hospedado na página da internet do Senado, que V. Exª é bacharel em Geografia pela Universidade Federal do Acre. Creio que estudou o suficiente para entrar numa universidade federal. Sim, há que se dedicar para entrar numa universidade pública, pois o acesso é complicado, mesmo nos cursos com pouca procura como é o caso do curso de geografia.

Escrevo tudo isso, senador, pois andei lendo alguns projetos de lei de sua autoria que, perdão, mas custou-me acreditar que fossem verdadeiros. Sim, pois pareciam piadinhas de mal gosto.

O que mais me chamou atenção é uma propositura do ano de 2005, que altera os artigos 44 e 45 da Lei nº 9.394 de 1996. Não sei se V.Exª se recorda desse projeto, mas ele extingue os processos seletivos nos cursos de graduação.

Ora senador, isso é um verdadeiro despautério. Pior, o senhor acha mesmo que o mais justo é o sorteio para ingresso numa universidade? Ah, convenhamos. Faça-me o favor. Trata-se de uma verdadeira choldra esse seu projeto.

Senador Sibá, retire esse projeto. Peça arquivamento, por favor.

A justificativa ora redigida por V. Exª no referido projeto é pior ainda. Os quatro itens elencados sobre o vestibular como:

- é um fato episódico, que não avalia o processo de aprendizagem, mas, tão somente um acúmulo de conteúdos cognitivos
- para ter efeito discriminador mais eficiente, acaba aumentando de tal forma o teor de dificuldade das questões, que exige um processo preparatório específico e descolado dos objetivos da educação básica e do ensino médio.
- pelo jogo da crescente dificuldade de se lograr aprovação em cursos de graduação mais concorridos e de melhor qualidade, acaba por selecionar não os alunos com mais aptidão, mas os que tiveram oportunidade econômica e social de freqüentar os melhores colégios e melhores cursinhos.
- a "maratona" de preparação e submissão aos vestibulares representa um trauma psicológico crescente.
- A maior virtude do sorteio, cremos nós, será a indução de mais vagas nas universidades públicas e gratuitas, federais e estaduais, principalmente por meio da criação de cursos noturnos.

Senador... leia seu projeto. Analisando, parece uma piadinha, daquelas que passam aos montes pela internet.

Esse projeto de lei é inconstitucional, pois não há o requisito da impessoalidade. Sei que V. Exª não é advogado, mas sei que conta com uma vasta assessoria jurídica.

Acha mesmo que sorteio é a forma mais justa? Se é assim, os alunos comprariam bilhetes da megasena para concorrer a uma vaga na USP, por exemplo? Sim, pois a probabilidade de adentrar se compara a ganhar na loteria. Ou, ainda, seria como? Faríamos um bingão? Cartela cheia universidade federal, linha estadual?

O investimento, senador, tem que ser feito no ensino fundamental e médio. Não adianta vir com subterfúgios esdrúxulos.

Aqueles que prestam vestibular, que fazem a prova e conseguem aprovação, se sentem orgulhosos, pois é fruto do trabalho dele o êxito. O que uma pessoa aprenderá na vida sendo sorteado?

Vaga em universidade pública não é premiação. É dedicação, esforço.

Isso não é democratização do ensino. Isso é banalização da educação, é dar continuidade a essa política de paternalismo imbecíl, é sermos tachados de ignorantes, é assinar o atestado de incompetência e ingerência administrativa educacional, é a condenação ao subdesenvolvimento intelectual.

Precisamos, senador, mudar o quadro instituído há anos e não dar continuidade a ele.
Obrigado,
Orlane Falcão
PS: Para aqueles que queiram ver o projeto na íntegra, entrem em: http://www.senado.gov.br/sf/atividade/materia/getHTML.asp?t=4257

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Apenas o cotidiano

De vez em quando eu gosto de almoçar sozinho. Não sei bem o motivo, nem sei se tem algum motivo, mas de vez em quando me dá na telha.

Outro dia resolvi. Saí do trabalho e fui num restaurante que não costumo ir. Mudar de ares, sei lá. Estava meio vazio. O garçom veio me perguntar para quantas pessoas era a mesa, e eu respondi que se ele quisesse almoçar comigo, seria para duas. Acho que ele não estava programado para ouvir uma resposta dessas, ficou me olhando como se eu fosse de outro planeta. Esses garçons são meio bitolados.

Sentei-me próximo da janela. Gosto de ficar olhando o movimento da rua. Talvez por isso que não me sinta muito confortável dentro de igrejas ou de supermercados.

O garçom voltou e perguntou se eu gostaria de olhar o cardápio. Respondi que só olharia se ele fosse bonito. Não gosto de olhar para coisas feias. O garçom sorriu amarelo. Disse que os cardápios estavam um pouco gastos, mas que eram muito bonitos quando eram novos. Aceitei de qualquer maneira. Ele também não estava preparado para este tipo de observação.

Logo entrou um casal. Jovens, bonitos e de caras amarradas. Sentaram-se na mesma fileira de mesas, próximo da janela, mas com uma mesa vazia entre nós. Não sou de ficar reparando nem de ficar bisbilhotando a vida alheia, mas o casalzinho conversava num tom de voz que seria impossível não ouvir.

Pelo o que eu entendi era um noivado que estava mais próximo do fim do que do casamento. A moça estava de frente para mim e tremia, a coitada. O rapaz de costas, com o corpo projetado para a frente, sobre os braços cruzados apoiados na mesa.

Ela não acreditava que ele tinha feito aquilo. Ele não entendia o porquê dela ser tão descontrolada. Ela pedia para ele explicar. Ele perguntava o quê deveria ser explicado.

Ela dizia que assim não dava, que ele não ouvia, que ele pensava que ela era boba. Ele dizia que não era nada disso, que ela era histérica e que estava “viajando”.

Sinceramente, o papo deles estava muito mais interessante do que o meu espaguete.
O garçom veio e os dois pediram refrigerante. Light. O garçom trouxe os refrigerantes. Não light.

A moça bufou, olhou o para o garçom e perguntou se ele era surdo. O rapaz interferiu e, de forma mais polida reiterou o pedido ao garçom – Light!

O rapaz disse que ela era grossa. Ela disse que ele a tratava como criança. Ele colocou a cabeça entre as mãos. Ela enxugou as lágrimas.

O garçom voltou e disse que não tinha light. Só normal. O rapaz, enfurecido, pediu então um copo de cianureto com gelo e limão. O garçom disse que iria perguntar ao gerente se tinha cianureto.

A moça riu. O rapaz olhou pela janela e riu também. Ela disse que ele era bobo. Ele disse que ela era linda.

Foi uma cena e tanto. Levantei-me para pagar a conta, ainda a tempo de ouvir o garçom, que havia regressado, dizer para o casal que infelizmente o cianureto também estava em falta.
Saí do restaurante com os dois ainda às gargalhadas. Valeu o dia.

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

A maior mentira do mundo

Na infância acredita-se em muitas coisas. No Papai Noel, no coelhinho da Páscoa e na virgindade da Sandy. Eu, além disso, também acreditava na propaganda. Ia até a padaria, comprava um Suflair, colocava em cima da mesinha da sala, e ficava sussurrando "suuuuflaaair" repetidas vezes, mas o chocolate nunca flutuava. Problema de entonação, não tenho dúvidas. A moça da televisão sabia cantar certinho, e funcionava. Entonação.

Essas coisas todas, aprende-se mais tarde, não passam de invenções para convencer as crianças a serem boazinhas o ano inteiro (eu nunca fui, mas a indulgência vinha mesmo assim), ou convencê-las a comprar o produto certo. As mentiras, grandes como elas são, chegam ao ponto de inventar um velho barbudo maníaco por dar presentes, um coelhinho com problemas proctológicos, e o Programa Espacial Brasileiro.

Porém uma certa mentira se mantem geração após geração sem sequer ser notada. Uma mentira grande demais, mesmo para um namorado da Sandy. A verdade é reveladora, leitor. Esta verdade pode ser, inclusive, perigosa. Eu mesmo temo pela minha segurança. Se algo acontecer a mim (um raio, ganhar na loteria, ter um rim falho) podem ter certeza: foi por revelar a verdade. Se você quiser se proteger disso, por favor, não leia. Vá comprar ovos de páscoa, que causam, no máximo, cáries. Melhor uma mentira inofensiva que uma perigosa. Mas a escolha é sua.

Pare agora, ou prepare-se para sofrer as conseqüências.

Pois bem, a escolha foi sua. Lá vai. Você já comeu cereja? Sim, aquelas coisas que vêm sobre os bolos. Cerejas. Crianças adoram cerejas. Elas são doces, vermelhas, e cheias de calda. Todos imaginam que essa calda doce e translúcida seja feita industrialmente, claro. De certa forma, talvez o processo seja parecido com o dos pêssegos em calda. Pêssegos em calda, cerejas de bolo em calda. Certo?

Errado. Essas não são cerejas de verdade. Essas "cerejas" confeitadas são de... bem... er... como dizer? Imagine uma coisa que você não comia, absolutamente, na infância. Na verdade, nenhuma criança come, sábia que é. Descobriu?

Sim, chuchu. Chu-chu. Pegam aquela coisa verde, nojenta e cheia de água para transformar, com glicoses e aromatizantes mil, na sensual cereja. A cerejinha que coroa o sorvete é, na verdade, o chuchuzinho do sorvete. A luta pelas bolinhas vermelhas do bolo é, afinal, uma luta para ver quem come mais chuchu.

Crianças se digladiando nas festas por chuchu. Chuchu! Que louco sádico inventaria tal artimanha? Como puderam nos enganar tanto tempo? É um absurdo! A humanidade está perdida. Como confiar agora nos concursos de misse, no sorteio dos times para a Copa do Mundo, na paz entre os homens?

Mas esperem. Talvez ainda exista alguma esperança. Se der certo, é claro. Tentem comigo. Encha os pulmões e sussurre: Suuuuuuflair...

sábado, 11 de agosto de 2007

O Motel

- Viram teu marido entrando num motel.
A Lurdes abriu a boca e arregalou os olhos. Ficou assim, uma estátua de espanto, durante um minuto, um minuto e meio. Depois pediu detalhes.
- Quando? Onde? Com quem?
- Ontem. No Discretíssimu's.
- Com quem? Com quem?
- Isso eu não sei.
- Mas como? Era alta? Magra? Loira? Puxava de uma perna?
- Não sei, Lu.
- Carlos Alberto me paga. Ah, me paga. Quando o Carlos Alberto chegou em casa a Lurdes anunciou que iria deixá-lo e contou por quê.
- Mas que história é essa, Lurdes? Você sabe quem era a mulher que estava comigo no motel? Era você!
- Pois é. Maldita hora em que eu aceitei ir. - Discretíssimu's! Toda a cidade ficou sabendo. Ainda bem que não me identificaram.
- Pois então?
- Pois então, que eu tenho que deixar você. Não vê? É o que todas as minha amigas esperam que eu faça. Não sou mulher de ser enganada pelo marido e não reagir.
- Mas você não foi enganada. Quem estava comigo era você!
- Mas elas não sabem disso!
- Eu não acredito, Lurdes! Você vai desmanchar nosso casamento por isso? Por uma convenção?
- Vou!
Mais tarde, quando a Lurdes estava saindo de casa,com as malas, o Carlos Alberto a interceptou. Estava sombrio:
- Acabo de receber um telefonema - disse. - Era o Dico.
- O que ele queria?
- Fez mil rodeios, mas acabou me contando. Disse que,como meu amigo, tinha que contar.
- O quê?
- Você foi vista saindo do motel Discretíssimu's ontem, com um homem.
- O homem era você!
- Eu sei, mas eu não fui identificado.
- Você não disse que era você?
- O que? Para que os meus amigos pensem que eu vou a motel com a minha própria mulher?
- E então?
- Desculpe, Lurdes, mas...
- O quê???
- Vou ter que te dar uma surra...

*Conclusão : *Devemos cuidar apenas da nossa saúde, porque da nossa vida, todo mundo cuida.

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

A Velha Questão Tostines

Essa todo mundo conhece, não é? Tostines vende mais por que é fresquinho, ou é fresquinho por que vende mais?

Hoje, enquanto olhava pela janela do carro, voltando de uma reunião quilométrica, fiquei a pensar na Questão Tostines.

Será que eu trabalho para viver ou vivo para trabalhar?

Passo a maior parte do meu dia trabalhando e quando saio do trabalho estou um caco. Pego trânsito e demoro para chegar em casa. Em casa só dá tempo de comer alguma coisa, ver alguma notícia na televisão e cair na cama.

Acho que eu vivo para trabalhar.

Mas se não for assim, não tenho meios bastantes de subsistência, como gostam de dizer o pessoal do direito. Eu digo por uma questão de direito.

Como vou levantar um cascalho para as prestações do carro, para o vestuário, para a alimentação, para a conta do celular (pré-pago, claro), para meus livros, os impostos e uma eventual cachaçada dançante? Hora ou outra tenho que me divertir, não é mesmo?

Pensando desta maneira, até que trabalho para viver.

Nos finais de semana, penso em telefonar para meus colegas e amigos da empresa para marcar um churrasco ou algo assim. Por um lado é bom, significa que possuo um ótimo relacionamento interpessoal, como gosta de dizer o pessoal do RH, mas por outro, significa que meu círculo social está se restringindo ao ambiente de trabalho.

E quando esses churrascos ou algos assim acontecem, qual o assunto? Projetos, diretrizes, estratégias...

Tenho a impressão de que estou vivendo para trabalhar.

Ao mesmo tempo que me é pessoalmente compensador quando sinto que aprendi algo novo, mudei minha maneira de pensar, amadureci em alguma questão, resolvi um pepino sem prejudicar nada ou a ninguém e saio do trabalho com a sensação de missão comprida. Isso dá forças para encarar a vida de uma maneira mais positiva.

Encarar a vida de uma maneira mais positiva foi uma frase muito boa. Me faz pensar que assim trabalho para viver.

A próxima vez que eu estiver voltando de uma reunião, vou tentar pensar naquela do ovo e da galinha.